postado em 10/11/2011 08:13
Uma nova legislação promete mudar a realidade dos pedestres que precisam atravessar o Eixo Rodoviário, uma das vias principais do Plano Piloto. Sancionada no começo de outubro, a Lei n; 4.655/2011 cria o Programa Adote uma Passagem Subterrânea, que tem 90 dias para começar a funcionar. A intenção é estabelecer parcerias com a comunidade, com comerciantes e artistas locais que desejem manter e explorar os caminhos feitos para evitar a perigosa travessia do Eixão, onde a velocidade máxima permitida é de 80km/h. Atualmente, as pessoas preferem correr o risco de serem atropeladas a trafegar pelas passarelas. A sujeira e a insegurança são os principais motivos de reclamação. A lei prevê que os ;padrinhos; mantenham a limpeza e a reparação das passagens subterrâneas, contratem segurança privada por 24 horas e criem espaços para exposição de artistas, artesãos, além de pequenos eventos culturais. Em troca, os parceiros poderão utilizar os espaços para fazer propaganda. As mudanças, porém, precisam de aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por se tratar de uma área tombada.
Essa é uma tentativa de melhorar a situação caótica das passarelas. Quem precisa atravessar nesses locais, para não se arriscar entre os carros, confessa o medo de ser surpreendido por um assaltante ou usuário de drogas. Sem contar o incômodo de andar por um lugar com mau cheiro e sujeira por todos os lados.
Desafio
A reportagem do Correio percorreu cinco das 19 passagens nas Asas Sul e Norte e verificou problemas de todos os tipos. Os azulejos estão quebrados e pichados. Além disso, as passarelas são mal iluminadas ; as poucas lâmpadas estão quebradas. Há fezes e urina por todo o caminho, além de latas de refrigerantes cortadas para o uso de crack (subproduto da cocaína). Na 102 Sul, os pedestres trafegam correndo e tampam o nariz com a blusa ou com as mãos para conseguir concluir o percurso. Na passarela que leva até a Entrequadra 102/302 Norte, dois moradores de rua tomaram conta do local. Eles usam drogas e cobertores para recostar nas paredes. Quando um pedestre passa, eles logo pedem dinheiro. Quem se nega a dar esmola pode esperar pelos xingamentos.
A empregada doméstica Jacilene da Silva, 22 anos, passa pelo túnel todos os dias para ir ao trabalho, na 202 Norte. Para ela, é um desafio atravessar o trecho que liga a parada de ônibus à residência onde presta serviços. ;Sou obrigada a passar por aqui. O trânsito é muito arriscado. Vou correndo, olhando para trás, sempre preocupada. É muito sujo, fede, não tem iluminação. Tenho medo;, reclama. Para ela, não importa quem vai reformar o local. ;O interessante é que a população seja beneficiada;, acrescenta.
Já a estudante de direito Drielly de Sousa, 18 anos, se indigna com o descaso do poder público em manter o mínimo de higiene em um local destinado aos pedestres. ;Toda vez que passo aqui tenho que tampar o nariz. As passarelas viraram banheiros públicos. O governo tinha que zelar pelo nosso patrimônio, mas, como isso não é feito, acho ótimo que as empresas privadas cuidem do que é da população;, comenta.
O que diz a lei
Confira o que prevê a Lei n; 4.655/2011:
; Firmar parcerias com a comunidade, comerciantes e empresas de artistas da cidade, que desejam manter e explorar as passagens subterrâneas;
; As parceiras serão responsáveis pela limpeza e pela reparação das passagens; contratação de segurança privada; criação de espaços de exposição; e instalação de painéis e propagandas com proteção contra impactos;
; As instituições jurídicas ou pessoas físicas que participarem do Programa Adote uma Passagem Subterrânea deverão custear a manutenção e a conservação dos espaços;
; As passagens poderão ser pintadas com motivos especiais, preferencialmente por artistas da cidade;
; O Iphan deve ser ouvido em todo o processo de recuperação.
Cadê a acessibilidade?
Além de malcuidadas, as passarelas ainda não foram adaptadas para facilitar o acesso a cadeirantes. Elas são muito inclinadas e obrigam quem já depende de outra pessoa ou tem dificuldade de locomoção a passar por momentos humilhantes. A corretora Ivanilda Gomes, 38 anos, tentou atravessar a passagem que leva até o Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) com uma amiga, que tem artrite reumatoide e não pode andar. A saga começou quando saiu da unidade hospitalar e precisou atravessar para ir até a 403 Sul. Ela tentou descer, mas deu meia-volta.
Arriscou a vida no eixinho, passou com a cadeira de rodas pelo meio-fio e conseguiu chegar ao outro lado. Era hora do almoço. No Eixão, o volume de carros a fez desistir. ;Vou tentar pegar um ônibus que nos leve até o outro lado da pista. Aqui não dá. Não tem acessibilidade, é perigoso e fede;, queixa-se. A corretora e a amiga, que preferiu não se identificar, conseguiram a ajuda de um homem que empurrou a cadeira de rodas pela rampa íngreme da passarela. ;Não tenho força para isso. É muito triste passar por essas situações;, disse Ivanilda. Para esse caso não há um projeto de revitalização. Como a área é tombada, os cadeirantes terão que continuar com a luta diária para atravessar o Eixão.
Licitação é exigência
De acordo com o autor da nova lei, deputado Evandro Garla (PRB), todas as empresas que quiseram firmar parceria para revitalizar as passarelas precisam passar por um processo de licitação, a ser definido pela Administração de Brasília. ;A escolha não será aleatória;, ressalta. Segundo ele, a legislação pode impedir tragédias no Eixão. Entre janeiro e outubro deste ano, segundo o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), cinco acidentes causaram mortes na via. Uma delas foi por atropelamento.
A Administração de Brasília informa que deve ser montada uma comissão de estudos urbanísticos, com arquitetos, engenheiros, representantes da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, da Novacap e do Iphan, para desenvolver o programa. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, ainda não houve nenhuma reunião para tratar sobre o tema, mas os 90 dias previstos na lei servirão para montar esse grupo e estudar todas as possibilidades. Será feito ainda um pedido de alteração na redação da norma. Será exigida a mudança do nome de Administração do Plano Piloto para de Brasília. Isso pode atrasar o processo.
Situação antiga
O secretário de Habitação, Geraldo Magela, acha o programa interessante e espera o convite da administração para participar da comissão. Para ele, o resultado da parceira público-privada é positivo para os empresários, para o governo e a população. ;As passagens subterrâneas nunca foram bem aproveitadas. Sempre tivemos problemas de limpeza e segurança. Se uma empresa privada decide adotar uma das passarelas e faz uma política dirigida àquele local, pode conseguir um bom serviço, com preços baixos;, afirma.
O superintendente do Iphan, Alfredo Gastal, ressalta que se faz necessário definir com as empresas a padronização de tamanho e das cores das passarelas. ;Os locais estão acabadíssimos. Acho que seria responsabilidade do governo mantê-las limpas, iluminadas e com segurança. Mas as parcerias dão certo em diversos países. Aqui pode funcionar também. Não é porque o lugar está tombado que está morto. Só exigimos padronização e bom gosto;, destaca.