Luiz Calcagno
postado em 19/11/2011 08:19

Santo Antônio do Descoberto, a 45 quilômetros de Brasília, parou para o velório e o sepultamento das vítimas do acidente de ônibus registrado na última terça-feira no interior de São Paulo. Dos 48 passageiros da excursão de romeiros a Aparecida (SP), 10 morreram (leia quadro) e pelo menos 12 ficaram feridos ; quatro continuam internados em São Paulo. Sete enterros ocorreram ontem na cidade goiana, sendo cinco pela manhã. Estimativas da Polícia Militar local apontam para cerca de 15 mil participantes das cerimônias iniciadas na Paróquia Santuário. Só o velório coletivo, que atravessou a madrugada, reuniu mais de 2 mil pessoas.
A mobilização local contou com gente que nem mesmo conhecia os envolvidos na tragédia. Tanto que vários pontos da cidade amanheceram com faixas pretas em sinal de tristeza e de solidariedade aos parentes dos mortos. Pela manhã, parte do comércio não abriu as portas. Também não houve serviço público nem aulas por conta do decreto de luto oficial de três dias. Parte da população, então, se concentrou ao redor da igreja, onde ocorreu o velório da maioria das vítimas.
Muitos amanheceram com os olhos vermelhos e inchados, pois viraram a noite em vigília. O pároco local, Marcelo José Vieira, ajudou a organizar o templo religioso para as cerimônias e celebrou a missa de corpo presente ainda na noite de quinta-feira ; os corpos chegaram em quatro carros por volta das 22h. Equipes de socorristas passaram a noite de plantão, em um posto médico improvisado ao lado do santuário. Cerca de 70 pessoas receberam atendimento, por queda de pressão ou falta de ar. Cinco acabaram removidas para o hospital municipal.
A movimentação na Paróquia Santuário diminuiu por volta das 2h, mas voltou a aumentar às 4h. Às 8h, milhares de pessoas se amontoaram ao redor dos caixões localizados diante do altar. A família de Divina Alves Ferreira, no entanto, aproveitou para antecipar o sepultamento. ;Estamos desde terça-feira vivendo essa agonia. Vamos evitar o tumulto que será mais tarde e que a tia Divina descanse em paz;, disse uma sobrinha. O corpo de José Landoaldo, o Juquinha, foi levado para a Cidade Eclética, perto do município goiano. Já Nelsa Silva Oliveira foi levada para o Cemitério Campo da Esperança, em Brasília.
Multidão
Às 8h40, o cortejo deixou o local em direção ao Cemitério Municipal Campo da Paz. A chegada de milhares de pessoas surpreendeu os coveiros do local. Segundo eles, nunca houve um enterro coletivo com tanta gente em Santo Antônio do Descoberto. O pequeno cemitério, onde estão sepultados cerca de 5 mil corpos, ficou apertado.
A dor da perda fez com que alguns dos sobreviventes da tragédia desafiassem a própria saúde. O marido da merendeira Sônia Maria da Silva Pereira, 53 anos, o motorista Adenir Pereira, 54, sofreu cortes profundos na perna direita e pancadas nas costas. Mesmo assim, compareceu ao fim do velório coletivo, por volta das 8h30. Ele precisou ser transportado de ambulância para a paróquia local, onde, de cadeira de rodas, viu o corpo da mulher pela última vez. O mesmo ocorreu com Lucimar Nobre Sá, 26 anos. Ela perdeu a filha, Lara Gabriely, 3 anos, e voltou de São Paulo após uma cirurgia. ;Ela teria que ficar mais tempo no hospital, mas decidiu voltar;, contou o cunhado, o administrador Júnior Bosco, 27.
De pé em uma das ruas centrais do cemitério, o sobrevivente Domingos Antônio Alves, 79 anos, foi cercado por dezenas de pessoas. Com o braço enfaixado, os olhos roxos e cortes pelo rosto, ele repetiu detalhes do acidente ocorrido na Rodovia Floriano Peixoto Rodrigues Pinheiro, em São Paulo. ;Estava chovendo. Eu estava meio dormindo. Foi um barulho grande. Apaguei e acordei sentindo um peso no meu ombro. Doía muito. Aí, abri os olhos e a minha velha me olhava, pedia socorro. Só acordei no hospital;, contou o aposentado. A mulher dele, Francisca Ferreira, sobreviveu.
Domingos se lembra da alegria do grupo durante a excursão. Recordou-se que tocou muita viola e cantou. Porém, comentou que não deixou de viajar com um certo medo. ;O motorista perdeu muito tempo em um desvio. Aí, fomos comentar isso e ele disse que tiraria a diferença na estrada. Ele falou que a gente ia voltar voando de São Paulo. Eu nasci de novo. Tive a sorte de sobreviver. Mas muita gente boa morreu. Mas eles estão em um bom lugar com Deus agora.; Os sepultamentos terminaram às 10h30.
Embora a romaria a Aparecida não tivesse vínculo com a Paróquia Santuário, quase toda a caravana era composta por frequentadores da igreja. Por conta disso, o padre Marcelo organizará grupos de oração para visitar as famílias das vítimas nos próximos sete dias. Ele também pretende orientar a comunidade para que tome cuidados ao comprar passagens para qualquer tipo de excursão. ;Esse povo é a nossa família e ainda precisa de conforto;, afirmou.
As vítimas
Fernanda Peixoto,
11 anos, estudante
É a única que não morava em Santo Antônio do Descoberto. Atuava como coroinha da Paróquia Maria de Nazaré, em Samambaia. Viajava com familiares. É lembrada como uma criança amigável, curiosa e inteligente. Fernanda era a caçula da professora Cristina Maria Campos, que trabalhava em uma escola do município goiano. A menina cursava o 5; ano no Centro de Ensino Fundamental 312. Foi sepultada na quinta-feira em Taguatinga.
Jercino José da Silva,
66 anos, feirante
Mais conhecido como Pernambuco, tinha uma barraca na feira coberta de Santo Antônio de Descoberto havia pelo menos 10 anos. É lembrado pelos amigos como alegre, disposto e comunicativo. Era casado havia 30 anos com Josefa Maria da Conceição, também morta no acidente. O casal deixou quatro filhos. Foi sepultado na quinta à noite no cemitério da cidade goiana.
Josefa Maria da Conceição,
55 anos, dona de casa
Mulher de Jercino. Era católica e muito religiosa, apesar de quase toda a família ser formada por testemunhas de Jeová. Segundo familiares, a viagem do casal foi incentivada e organizada por ela. Os dois eram inseparáveis. Foi sepultada na quinta-feira em Santo Antônio do Descoberto.
Nelsa da Silva de Oliveira,
52 anos, funcionária pública municipal
Tinha feito diversas peregrinações pelo Brasil e sonhava em conhecer Aparecida. Segundo parentes, estava entusiasmada com a viagem. Nelsa era vista por amigos e familiares como uma avó atenciosa e uma mulher batalhadora. Era bastante católica. Foi sepultada ontem no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília.
José Landoaldo Rezende,
73 anos, fazendeiro
Por várias vezes, ele se recusou a participar da excursão, mas cedeu à insistência de familiares e amigos. Natural de Pires do Rio (GO), José, conhecido como Juquinha, foi criado em Santo Antônio do Descoberto. Era frequentador da paróquia local havia dezenas de anos. Era primo de Sônia e de Isabel Pereira. Foi sepultado ontem no cemitério de Cidade Eclética.
Divina Alves Ferreira Urani,
62 anos, aposentada
Pertencia a uma família tradicionalmente católica da cidade de Santo Antônio do Descoberto. Participava ativamente da comunidade religiosa. Acompanhava um casal de tios na viagem. Deixou marido, filha e dois netos. Foi sepultada ontem no cemitério local.
Sônia Maria
da Silva Pereira,
53 anos, merendeira
Nascida em Anápolis (GO), seguia viagem acompanhada do marido, Ademir Pereira, de 54 anos, e de uma neta. O homem ficou ferido. Os dois eram membros ativos da comunidade. Sônia era prima de Juquinha e de Isabel. Foi a primeira vez que Sônia participou de uma excursão, pois tinha o medo de andar de ônibus. Deixou dois filhos. Ela foi sepultada ontem em Santo Antônio do Descoberto.
Isabel Maria Pereira,
51 anos, secretária escolar
Mais conhecida como Tia Isa, era prima de Sônia e de Juquinha. Exercia liderança na comunidade de Santo Antônio do Descoberto, onde atuava como coordenadora pastoral do grupo de jovens. Foi sepultada ontem no cemitério da cidade. Viajou com o marido, o aposentado Valdir Pereira, e com a neta, Letícia Elken Pereira, 6.
Delcilo Alves Rabelo,
59 anos, motorista
Era um dos funcionários mais antigos da prefeitura municipal, lembrado como uma pessoa honesta, batalhadora e alegre. Era frequentador de caravanas religiosas, tanto que viajava pela segunda vez no ano a Aparecida. Foi sepultado ontem em Santo Antônio do Descoberto. Casado, o motorista deixou uma filha de 25 anos. Ela e a mulher não estavam com ele na viagem.
Lara Gabriely Sá,
3 anos
A caçula entre as vítimas viajava com a mãe, a professora Lucélia Sá Oliveira, 24 anos, e a avó. É lembrada como uma criança esperta e comunicativa. Animava qualquer ambiente. Foi sepultada ontem no cemitério de Santo Antônio do Descoberto.