Cidades

1958, ano em que a capital do Brasil saiu do papel definitivamente

Quando 1959 chegou, já se podia dizer que a construção da capital do Brasil não tinha mais volta. Niemeyer havia deixado o Rio, se mudado para o canteiro de obras e projetado a Catedral, e Lucio Costa saía de seu silêncio a fim de reagir às críticas da oposição

postado em 19/11/2011 08:50
Quando 1959 chegou, já se podia dizer que a construção da capital do Brasil não tinha mais volta. Niemeyer havia deixado o Rio, se mudado para o canteiro de obras e projetado a Catedral, e Lucio Costa saía de seu silêncio a fim de reagir às críticas da oposição
1958 foi o ano em que o Brasil começou a desconfiar que Brasília seria efetivamente construída, que não era apenas um sonho faraônico de Juscelino. Foi o ano em que a nova capital pousou, com força e com vontade, sobre a terra avermelhada do cerrado. Em meados de 1958, o arquiteto Oscar Niemeyer percebeu que não dava para acompanhar as obras da cidade do Rio de Janeiro e se mudou para Brasília. Foi morar numa casa da W3 Sul e trouxe consigo 15 amigos para lhe fazer companhia. 1958 também foi o ano em que um dos mais importantes escritores norte-americanos do século 20, John dos Passos, conheceu as obras da capital, visita que ocupa boa parte do primoroso livro-reportagem, O Brasil desperta (Brazil on the move), publicado no Brasil pela editora Record em 1964 (há em sebo virtual).

Foi em 1958 que foram feitos os mais acentuados deslocamentos de terra no Plano Piloto ; para deixar a Esplanada plana, para subir o nível do solo da Praça dos Três Poderes, para construir as duas plataformas da Rodoviária, para fazer o Buraco do Tatu. A oposição se aproveitou da montanha de terra que era levada de um lugar para outro e amplificou suas críticas aos custos excessivos da construção da capital. Lucio Costa abandonou temporariamente o recato e reagiu: ;Não se está a fazer em Brasília ; escreveu o arquiteto ao presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, Israel Pinheiro ; uma capital de província, mas a nova capital de um país que ainda será uma grande nação; (ver íntegra).

Foi em junho de 1958 que Oscar Niemeyer começou a pensar seriamente na ideia de deixar o Rio de Janeiro e vir morar em Brasília, ;a fim de exercer fiscalização direta sobre as construções em andamento e dar ao trabalho, inclusive aos novos projetos, o ritmo contínuo e acelerado que somente um regime de tempo integral poderia garantir;. Dois meses depois, o arquiteto estava morando numa casinha da W3 Sul. ;Nos primeiros tempos vivi como os demais colegas, numa residência da Fundação da Casa Popular. Era uma casa simples e acolhedora e meu mobiliário se resumia, no quarto, a uma cama, um armário e um caixote, e na sala, a um sofá, uma mesa e quatro cadeiras.;

Fácil não foi, como o próprio Oscar relata em Minha experiência em Brasília. ;Primeiro nos veio a depressão da mudança, muitos de nós saídos de uma cidade adiantada para aquele imenso sertão.; Somavam-se à solidão sem fim do cerrado a ;nostalgia da distância, a ausência da família e dos amigos, do ambiente em que vivíamos; daí decorrendo problemas, os mais íntimos e irreprimíveis;. Nos dias que antecederam a mudança, em conversa com o escritor John dos Passos o arquiteto demonstrou sua inquietação e o desgosto de ter de ficar longe do neto, filho de sua única filha, Anna Maria, com o arquiteto Carlos Magalhães.

No mesmo agosto, Niemeyer voltou a espantar a arquitetura moderna com um incomparável projeto de Catedral para Brasília. A edição n; 21 da Revista Brasília trouxe um resumo explicativo da ideia. A preocupação maior de qualquer esboço de templo religioso é a criação de grandes espaços. O arquiteto brasileiro optou por uma solução compacta ;que se apresentasse externamente ; de qualquer ângulo ; com a mesma pureza;. Explica-se assim a forma circular adotada ;que, além de garantir essa característica, oferecia à estrutura uma disposição geométrica, racional e construtiva;. Desse modo, ;21 montantes, contidos em uma circunferência de 70 metros de diâmetro, marcam o desenvolvimento da fachada, numa composição e ritmo como de ascensão para o infinito;.

No projeto original, Niemeyer pensou em placas de vidro refratário de cor neutra para assegurar a claridade interna. Só anos mais tarde, ao conhecer a vitralista Marianne Peretti, é que o arquiteto mandou tirar o vidro sem cor para colocar os vitrais coloridos. Os vidros têm a função de manter um ambiente de suave recolhimento no interior da igreja, ;no qual as formas do púlpito e do coro se destacam como elementos de escala e composição plástica;.

A entrada em rampa ;leva deliberadamente os fiéis a percorrer um espaço de sombra antes de se atingir a nave, o que acentua pelo contraste os efeitos de luz procurados.; Em volta da nave, ;rebaixada três metros em relação ao piso do terreno, encontram-se as capelas e ainda as ligações com as salas e serviços anexos à Catedral, e o batistério, localizado, como primitivamente, fora do templo;.

Apesar de a pedra fundamental da Catedral ter sido fincada em 12 de agosto de 1958, a construção foi a mais interrompida e demorada de todas as da Esplanada. As obras só começaram efetivamente em 1959 e pararam logo depois, por falta de verba. Como é um monumento que não pertence ao Estado, mas à Igreja Católica, dependeu de doação de recursos e de campanhas de arrecadação dos fiéis. A sagração (cerimônia que atribui o caráter sagrado da edificação) só ocorreu em 1970.

BRASILIANAS/1958

19 de janeiro ; A paróquia de dom Bosco realiza o primeiro casamento religioso de Brasília. Casam-se Solemar Rodrigues de Paula e Vera Maria Gomes Carneiro, em cerimônia celebrada pelo padre Roque Valiatti Batista

28 de janeiro ; O presidente do Museu de Arte Moderna de Nova York, William Burden, visita Brasília e declara: ;Simplesmente maravilhoso;

5 de fevereiro ; A Novacap recebe a doação de cinco mudas de palmeiras que dom João VI plantou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 1809. Anuncia que seriam plantadas no Palácio da Alvorada, no Aeroporto, na Praça dos Três Poderes, no Jardim Botânico e na casa do futuro prefeito de Brasília

16 de fevereiro ;Juscelino passa o Carnaval em Brasília



9 de março ; A soprano Diva Pieranti, namorada do engenheiro Pery da Rocha França, apresenta o primeiro concerto de música de câmera de Brasília

31 de maio ; Juscelino inaugura a Rádio Nacional em Brasília

28 de junho ; Inauguração da Igrejinha

29 de junho ; Juscelino acompanha do Hotel de Turismo (o Brasília Palace Hotel) a transmissão, via rádio, do jogo Brasil x Suécia pela Copa de 1958

30 de junho ; Juscelino inaugura o Palácio da Alvorada e a Avenida das Nações

8 de julho ; A bailarina Margot Fonteyn e seu marido, o embaixador da República Dominicana em Londres, Roberto Arias, visitam Brasília

6 de agosto ; O secretário de Estado norte-americano, John Foster Dulles, visita Brasília

19 de agosto ; O escritor Aldous Huxley vem conhecer as obras da nova capital

31 de agosto ; Juscelino inaugura 500 unidades da Fundação da Casa Popular na W3 Sul
(A visita do escritor John dos Passos à nova capital, em agosto de 1958, não mereceu registro do Diário de Brasília)

12 de agosto ; Lançada a pedra fundamental da Catedral

23 de outubro ; O botânico AugustoRuschi inicia, na Granja do Torto, a criação e a fixação de beija-flores em Brasília. E constata que existiam, na cidade, à época, 22 espécies de beija-flores troquilídeos

25 de outubro ; Chega a Brasília o paisagista japonês Yoichi Aikawa, contratado pela Novacap para projetar os jardins da cidade

22 de dezembro ; Lançada a pedra fundamental do edifício-sede do Banco do Brasil

31 de dezembro ; Em mensagem de fim de ano aos brasileiros, Juscelino declara: ;Quero dizer-vos que nenhuma força humana deterá Brasília. Ela já se vislumbra, configurada e em pleno processo de construção. E com Brasília também se levanta uma vasta área de nosso país, que se desencantou, enfim, deixando de ser uma longínqua referência nos mapas;

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