Flávia Maia
postado em 23/11/2011 08:42
Até pouco tempo atrás, a educação do trânsito para crianças tinha o intuito de formar, desde cedo, motoristas responsáveis. A instrução de um condutor consciente ainda é essencial, mas mostrou não ser o suficiente para diminuir os índices da violência nas vias. ;As crianças funcionam como multiplicadores. Uma vez, fui fazer uma palestra e falei sobre a importância do uso da cadeirinha. Me contaram que o aluninho não quis entrar no carro do pai de jeito nenhum porque não tinha a cadeirinha;, lembra Juciara Rodrigues, escritora da série de livros Educação de trânsito no ensino fundamental.A estudante Marcella Quaranta Clemente, seis anos, tem aulas de educação de trânsito e conta que aprendeu a dizer ao pai que, no sinal vermelho, ele deve parar. ;Ele tem que parar também quando alguém estiver passando pela faixa preta e branca do chão;, ensina. Esse aprendizado desde a infância tem sido adotado por vários órgãos normativos no país, e a expectativa é a formação de um trânsito mais humano. A preocupação não é só no Brasil, tanto que a Organização das Nações Unidas considerou esta década como a do trânsito. Isso porque, em todo o mundo, a tendência é o aumento da população urbana e cidades cada dia maiores. O que implica mais carros e veículos de massa circulando entre pedestres e ciclistas.
De acordo com o Ministério da Saúde, 120 pessoas morrem por dia vítimas de acidentes no Brasil. E, como o principal ambiente de mudanças é a escola, a tendência atual é ensinar que o estudante faz parte do trânsito, não somente como motorista, mas como pedestre, passageiro e ciclista. A aposta, agora, são as crianças. Para educá-las de forma que elas se vejam como agentes participantes do trânsito, os Detrans estaduais, em parceria com as escolas, estão procurando inserir o assunto como conteúdo paradidático. Para isso, a saída foi a formação continuada. A série escrita por Juciara Rodrigues, por exemplo, começa no 1; ano do ensino fundamental e se estende até o 9;. ;E não tem problema se o aluno começar no ;meio do caminho; porque são conteúdos independentes;, explica.
Qualificação
A comunidade escolar tem visto com bons olhos a iniciativa. A coleção de Juciara já vendeu 1 milhão de cópias desde 2008, e este ano os Detrans do Tocantins e do Espírito Santo compraram os livros para distribuir nas escolas a partir de 2012. Por enquanto, os professores estão sendo qualificados para a função. No Espírito Santo, 10 municípios receberão os livros como projeto-piloto e 155 mil alunos serão atendidos. Até 2014, a meta é que todas as escolas do ES estejam com o material nas mãos. No Tocantins, as publicações chegarão às 139 cidades do estado, contemplando 240 mil crianças. ;A escola tem que ser nossa parceira, pois só com a educação vamos conseguir mudar essa cultura do trânsito;, avalia o coronel Júlio César da Silva Mamede, diretor-geral do Detran-TO.
Três escolas da rede privada em Brasília também adotaram a série educativa. O Colégio Monteiro Lobato, na Asa Norte, é uma delas. Além dos livros, o estabelecimento tem uma pista em que alunos simulam o dia a dia no trânsito. ;Quanto menor a criança, mais fácil é ver o retorno. Os mais velhos são mais resistentes;, analisa Marcelo Miller, professor de geografia e cidadania. A estudante Gabriella Ourique, 13 anos, estuda no 8; ano e elogia as aulas: ;Aprendemos que um erro pequeno pode custar a vida de uma pessoa, o que é muito injusto;.
O Detran-DF também aposta na formação continuada de professores e alunos. O órgão tem cartilhas e panfletos e espera desenvolver um material didático próprio. Este ano, no Gama, o Detran trabalhou em um piloto do projeto Edutran Gama. No novo modelo, não haverá mais palestras pontuais, mas seis encontros durante todo o ano. ;Dessa forma, o aluno cria vínculo com o assunto;, acredita Marcelo Granja, diretor de Educação do Detran-DF. Por enquanto, oito pessoas tocam o projeto Edutran. ;Vamos qualificar os professores para atender mais escolas;, prometeu.
O que diz a lei
Em 2009, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) aprovou as Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito na Pré-Escola e no Ensino Fundamental. De acordo com a portaria, fica a cargo dos Detrans regionais o cuidado com a educação de crianças e adolescentes para o trânsito. Os órgãos devem promover medidas educativas em parceria com as escolas. Com essa portaria, o Denatran regulamenta uma exigência do Código Brasileiro de Trânsito.
Três perguntas para
Juciara Rodrigues Pedagoga, especialista em educação infantil e escritora.
O que motivou a senhora a escrever livros sobre trânsito para crianças?
Sou formada em pedagogia, trabalhei durante anos no Denatran em projetos ligados à educação e prestei consultoria para diversos departamentos estaduais de trânsito. Acabei aliando tudo isso e em 2008 lancei o primeiro material sobre educação no trânsito. Eram livretos pequenos. Só que eles não traziam tanta credibilidade, porque pareciam gibis. Como o assunto trânsito é muito dinâmico e precisa de muita reformulação, aproveitamos essa lei de 2010 para adotar esse tamanho do livro didático.
O que a senhora procurou para chamar a atenção de seu público-alvo?
As crianças adoram discutir trânsito. Contam o que os pais fizeram de certo, as infrações, a reação deles. Focamos os livros de acordo com as faixas etárias e em três eixos: locomoção, comunicação e convívio social. Por exemplo, no primeiro ano, as crianças ainda são bem ligadas ao locais em que vivem. Por isso, queremos que elas percebam o ambiente ao redor, a rua, a casa, a escola. Mais velhos, podemos falar de assuntos mais desagradáveis, como os acidentes, por exemplo.
A senhora acha que essa educação vai ajudar a termos motoristas mais conscientes?
Veja bem, educação de trânsito não é para formar condutores. Pode até ser que alguns alunos virem motoristas. Precisamos desconstruir isso de que trânsito só tem carro. Queremos formar pedestres mais conscientes, ciclistas mais conscientes e também motoristas mais conscientes.