Cidades

Seminário do Iphan critica intervenções gradativas em quadras de Brasília

Helena Mader
postado em 03/12/2011 08:30
Praça pública da 308 Sul: superquadra é uma das poucas que respeitaram o projeto original de Lucio Costa

As superquadras, com seus pilotis e extensos espaços verdes, são um dos símbolos do projeto de Lucio Costa para o Plano Piloto. Pelo ideal do urbanista, as áreas residenciais deveriam ter uma conexão, com a oferta de serviços e atividades essenciais. Assim, a cada quatro quadras, seria formada uma unidade de vizinhança, onde deveria haver áreas esportivas, espaços culturais, escola, jardim de infância, biblioteca, templo e comércio. Mas somente uma área de vizinhança saiu do papel e se transformou em um exemplo do urbanismo de Brasília. A unidade que reúne as superquadras 107,108, 307 e 308 Sul é tombada desde 2009 (veja Para saber mais) e diariamente recebe grupos de turistas que querem ver de perto o funcionamento desse inovador modelo de moradia.

Diante da relevância do espaço para a capital federal, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) realizou, ontem, o Seminário de Valorização e Preservação da Unidade de Vizinhança, que reuniu representantes do governo e do instituto, além de especialistas, como arquitetos, urbanistas e geógrafos. O tema do encontro deveria se restringir ao desafio de proteger as áreas de vizinhança, mas o seminário rapidamente se transformou em um espaço de discussão sobre outros problemas relacionados ao tombamento de Brasília, como puxadinhos, invasões de áreas públicas e desvirtuamento do uso de terrenos.

O evento, realizado no Cine Brasília, contou com a participação da arquiteta Maria Elisa Costa. A palestra da filha de Lucio Costa foi uma das mais concorridas. Antes de falar sobre o conceito das unidades de vizinhança, ela contou histórias e lembrou-se de como o pai concebeu o traçado da nova capital do Brasil. ;Eu estava no terceiro ano de faculdade quando o meu pai me chamou e mostrou como a cidade ia ser. Lucio Costa queria criar um modo de morar que fosse diferente, mas não assustasse as pessoas;, explicou a arquiteta.

Maria Elisa citou alguns diferenciais da cidade. ;Brasília é o único local do mundo onde todos os prédios têm pilotis. Meu pai hierarquizou o tráfego; as quadras têm uma única entrada, porque não são locais de passagem. A superquadra é um remanso urbano, como dizia Lucio Costa;, disse. Para Maria Elisa, as unidades de vizinhança deveriam ser gerenciadas pelos moradores da região e por uma prefeitura que reunisse a comunidade.

Reformas
Outro assunto que dominou a fala de boa parte dos palestrantes foi a realização de reformas nas fachadas dos prédios do Plano Piloto. Conforme o Correio mostrou em reportagem publicada em abril deste ano, moradores e síndicos das asas Sul e Norte estão, aos poucos, alterando a paisagem da área tombada com o pretexto de modernizar as fachadas dos prédios. O superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal, destacou a temática durante o seminário. ;O tombamento da cidade é urbanístico, então infelizmente assistimos diariamente à degradação arquitetônica da cidade;, comentou.

O arquiteto Matheus Gorovitz, autor do livro A invenção da superquadra e professor da Universidade de Brasília, criticou a substituição de materiais na reforma dos prédios. Na 308 Sul, onde ele mora, alguns edifícios tiveram as pastilhas e as cerâmicas trocadas por mármore e granito. ;As incorporadoras querem diferenciar os blocos para tentar atrair compradores. Com as reformas, as empenas (laterais) ficaram diferentes, mas deveria haver uma padronização para termos um projeto harmônico;, comentou o especialista.

A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Sylvia Ficher falou sobre os diversos códigos de edificação que já foram criados no Distrito Federal e como essas regras influenciaram nas mudanças arquitetônicas registradas no Plano Piloto. Sobre a falta de padronização das reformas nos prédios, Sylvia garante que a maioria delas não tem nenhuma coerência com relação à linguagem original. ;Muitas vezes, são usados materiais considerados nobres, como mármore, granito, sancas de gesso e pinturas texturizadas;, citou.

O seminário começou a ser organizado em abril, quando o Iphan identificou a realização de obras que haviam sido aprovadas pelo GDF sem passar pelo crivo dos técnicos do instituto. ;Em 2008, o Iphan fez um inventário da unidade de vizinhança, para pensar em estratégias de preservação. Uma das ideias foi realizar o seminário para fazer um debate qualificado sobre o assunto;, explica a coordenadora técnica do Iphan no DF, Ana Clara Giannecchini.

Participaram do encontro o administrador de Brasília, Messias de Souza, e o subsecretário de Preservação do Patrimônio do DF, José Delvinei, que falaram sobre as providências tomadas pelo GDF até agora para proteger o tombamento e o modelo da unidade de vizinhança. Também fizeram palestras os arquitetos Vera Ramos, Carlos Madson, Briane Bica e a doutora em geografia Jane Jucá.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação