Cidades

Hran deixará de oferecer pediatria para ampliar clínica médica e UTI

postado em 06/12/2011 11:00
Uma das duas unidades pediátricas públicas da Asa Norte, com pronto-socorro e atendimento ambulatorial, e referência da especialidade no Distrito Federal deixará de oferecer o serviço. Em fevereiro do próximo ano, 2 mil crianças com até 12 anos deixarão de ser atendidas mensalmente no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Com isso, os pais terão somente 13 hospitais para levar as crianças. Os 66 centros e 40 postos de saúde da capital possuem pediatria, mas somente para atenção primária. Na semana passada, a medida foi comunicada apenas aos chefes da instituição. Mesmo com a recorrente falta de pediatras em todo o DF, a ordem, segundo funcionários, é ampliar a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hran e o atendimento de adultos na clínica médica.

A notícia do fechamento revoltou mães de pacientes e médicos. Algumas tratam os filhos no local há nove anos e não sabem o que fazer. A primeira a ser informada sobre a mudança foi a chefe do setor no Hran, Elizabeth Paranhos. ;Na semana passada, o diretor do hospital convocou uma reunião e nos informou que, por decisão da Secretaria de Saúde do DF (SES), a pediatria seria fechada. Ficamos indignados.

Tentamos prestar um atendimento de qualidade, de excelência, e eles querem acabar com isso. Só visam a quantidade e esquecem do tratamento que a população de Brasília merece.; Os 19 clínicos-gerais e pediatras, oito enfermeiros, 35 auxiliares, nutricionistas, pedagogos e psicólogos da unidade voltarão a trabalhar com adultos ou serão transferidos para a pediatria do Hospital Regional da Asa Sul (Hras).

Médicos, enfermeiros e auxiliares, nutricionistas, pedagogos e psicólogos da unidade questionam a medida: 2 mil consultas por mês

Segundo a médica, cerca de 2 mil crianças são recebidas por mês na unidade, enquanto o Hospital Regional da Ceilândia (HRC), por exemplo, atende 4 mil. O Hran, porém, é o único que possui pedagogo exclusivo, psiquiatra e acompanhamento diferenciado. O hospital atende doentes de todas as regiões do DF. A maioria do Varjão, de Planaltina, da Vila Planalto e de Santa Maria. ;Se eles têm problemas, encaminham para a gente. No Hras, não haverá espaço físico para isso. Temos uma pedagoga que dá aulas para os que ficam longe da escola por muito tempo. Nem a rede privada tem essa atenção;, detalhou a chefe da pediatria.

;O DF está na contramão das políticas idealizadas nacionalmente. Enquanto o SUS prega a qualidade, eles querem priorizar a quantidade. Não menosprezo as outras unidades, mas um médico não consegue diagnosticar bem uma enfermidade sem tempo nem para acompanhar os exames ou os resultados;, complementou o supervisor de residência em pediatria do Hran, Gilson Luiz Bonomi.

Com o corte dos serviços oferecidos às crianças, os estudantes da especialidade também terão o ensino comprometido. Hoje, são 12 residentes atuando no local. Seis em residência 1 e seis no nível 2. ;Já não há procura pela área. Fechar essa estrutura é também contribuir para o desinteresse dos jovens;, lamentou Bonomi. Segundo ele, lá, os alunos aprendem como trabalhar em um lugar humanizado. ;Ninguém sai daqui sem diagnóstico. Investigamos tudo, até se a criança tem problemas cardíacos, o que é raro. Se não há como fazer um exame, encaminhamos com urgência para outro hospital e esperamos o resultado;, explica.

Irresponsabilidade

O presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Eduardo Vaz, considera a atitude um crime. ;Como vão fechar uma especialidade que precisa aumentar? É uma questão complicada. Precisamos ver se há previsão para construir mais leitos. Não é possível tirar os pediatras e não repor em lugar algum;, afirmou.

Em nota, a Secretaria de Saúde do DF confirmou que a proposta é transferir os pediatras para o Hras, já que lá a demanda por atendimento é maior. Porém, a pasta não soube informar se o local terá a estrutura ampliada. ;Atualmente, o Hran atende 66 crianças no período de 24 horas em sua emergência. Esse é o menor número entre todas as emergências da SES. A reestruturação na área de pediatria do Plano Piloto se faz necessária porque, no Hras, são 200 pacientes por dia;, relata o documento.

Ainda segundo a secretaria, no mês de novembro, o Hospital Universitário de Brasília (HUB) retomou a assistência, no pronto-socorro, da especialidade de pediatria, ficando definido que as subespecialidades serão direcionadas no Hospital da Criança (Abrace), ;o que garante a qualidade de atendimento no setor de emergência e ambulatório;.

Crise

Reportagem divulgada pelo Correio na última semana mostrou que a capital vive uma fase de problemas no atendimento infantil tanto na rede pública quanto na particular. A categoria reclama que a especialidade deixou de ser rentável. Se nos hospitais privados já é difícil agendar uma consulta por meio de convênios, na rede pública é quase impossível conseguir boa assistência. Dos 60 pediatras nomeados no último processo seletivo, apenas 36 tomaram posse. Atualmente, somente 18 estão em exercício e o número de exonerações cresce a cada dia.

Mudança de vida

A auxiliar de enfermagem Maria Heloína Lima, 53 anos, conhecem bem a rotina de quem procura hospitais e volta para casa sem o diagnóstico. Ela passou três anos percorrendo a rede pública com a filha Silvia Luana Lima, 6 anos, para encontrar uma solução. ;Ela sentia dores, tinha febre. Ninguém fazia um exame. Só passavam analgésicos e nos mandavam embora;, contou. Somente na pediatria do Hran, ela conseguiu resolver o problema. ;Minha filha tem 6 anos e passou três sofrendo. Aqui, eles pediram os exames e descobriram que ela tinha cálculos renais. Foi o único lugar em que fui atendida com dignidade;, disse a moradora do Recanto das Emas, cidade a 38km da Asa Norte, emocionada.

Ontem, a pequena Silvia saía do hospital por volta das 13h. De meia rosa, jardineira jeans e com um sorriso no rosto, ela apontou para a cicatriz da cirurgia e disse: ;Olha, foi aqui;. Envergonhada, afirmou com a cabeça que gostava de todos os médicos e que agora se sentia muito bem. ;Graças à atenção dos doutores e aos encaminhamentos que eles fizeram, minha filha foi tratada, recebeu atenção e hoje está bem. Caso fechem esse lugar, não sei como outras mães que precisarem de atendimento farão;, desabafou.

A moradora de Samambaia Ana Flávia de Oliveira, 31 anos, viu o filho piorar a cada dia sem conseguir um diagnóstico. Por seis meses, tentou marcar uma consulta no Hospital Regional de Samambaia (Hrsam), no Hospital Regional de Taguatinga e em postos de saúde, sem sucesso. ;Meu filho estava perdendo os movimentos do braço direito, não conseguia andar e eu não sabia o que era. Fui atendida em uma emergência e o médico informou que eles só abririam a marcação de consulta em 8 de dezembro. E uma vaga só surgiria no ano que vem;, detalhou a teleoperadora.

Assim como Maria Heloína, Ana Flávia só conseguiu respostas no Hran. ;Aqui, o atendimento é humano. Nos outros hospitais, falavam ;Mãezinha, não tô vendo nada;. Agora descobri que o Iron tem reumatismo, ele está tomando o remédio e já começa a ter alguns movimentos de volta;, contou. Ana Flávia ressalta que as unidades são muito cheias e que ninguém é atendido como merece. ;Só confio nos profissionais do Hran. Eles me tratam de igual para igual, conversam comigo. Não tenho coragem de tratar meu filho em outro lugar;, complementou.

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