Cidades

Rua do Mato, em Planaltina, conserva histórias de mais de 200 anos

postado em 13/12/2011 10:21
No Vão do Buraco, onde a Chapada de Contagem cai até o córrego, existe uma rua que deve ser a mais antiga do Distrito Federal, depois das ruas remotas de Planaltina. A Rua do Mato conserva histórias de mais de 200 anos, lembranças que resistem na memória dos mais velhos moradores do lugar. Das três primeiras famílias a chegar às escarpas pedregosas da depressão por onde corre o Ribeirão Contagem às 280 que hoje habitam o povoado, a Rua do Mato cultivou pacientemente as festas religiosas de Nossa Senhora da Conceição e a Folia de Reis, e, mesmo depois de Brasília, manteve-se de certo modo protegida da atmosfera inquieta e perigosa da cidade grande.

A Rua do Mato começa na margem esquerda da DF-150 (de quem sai do Plano Piloto), numa das curvas nas proximidades das fábricas de cimento das redondezas, em Sobradinho. Depois de forte declive, cercado de farta vegetação, chega-se às primeiras casas do centenário lugar. A rua segue em descida e curvas até atravessar o córrego e, do outro lado, encontrar a colorida capela de Nossa Senhora da Conceição, de quem os moradores são devotos e a quem dedicam novenas entre 29 de novembro e 8 de dezembro.

Foram três as primeiras famílias a habitar a Rua do Mato: os Coletas, os Gomes e os Dos Anjos. Como de hábito ocorreu nas comunidades fechadas do Brasil interiorano, os filhos de dois dos três grupos casaram-se entre si. ;Os Gomes se casaram com os Dos Anjos. Eram gente pobre, mas tudo honesto e trabalhador;, conta dona Ana Alves de Sousa, 76 anos (que pertence à família Dos Anjos) com sua memória aguda e meticulosa.

A história de dona Ana é, em si mesma, uma saga bem brasileira. A família dela veio de Irecê (BA) há 65 anos, ou seja, muito antes de Brasília ser construída. O pai, a mãe, sete irmãos vieram pela Estrada do Sertão, em sete cavalos. ;Era mais de a pé do que montado;, conta dona Ana. Depois de 45 dias de viagem, pararam em Planaltina, porque a mãe estava para dar à luz. Passado algum tempo, a família comprou umas terras no Vão do Buraco, atraída pela fartura de água.

O irmão de dona Ana, Agenor Alves dos Anjos, se casou com dona Maria Rodrigues, hoje com 76 anos. Líder da comunidade, seu Agenor morreu em 1996, aos 65 anos. Toda a sua família, mulher, filhos, netos e bisnetos continuam na Rua do Mato, todos eles em volta de dona Maria. Na tarde de quarta-feira passada, filhos, genros e netos estavam envolvidos com a preparação da novena de Imaculada Conceição. Sacos e bacias de biscoitos e bolos para serem distribuídos aos devotos. Uma generosa costela de boi e dois frangos assados seriam leiloados.

A Rua do Mato tem associação de moradores, escola classe, posto de saúde, agência postal comunitária e um longo silêncio que vara os dias, exceto nas noites de festas religiosas e durante os temporais que transformam a encosta descarnada em perigosas cachoeiras. Para os moradores da Rua do Mato, a capital do país é um acontecimento distante.









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