Flávia Maia
postado em 14/12/2011 07:07
Durante o período de fim de ano, Brasília passa por um fluxo migratório diferenciado do de outras cidades brasileiras. Muitas pessoas deixam os estados de origem para garantir doações de alimentos e de roupas, além de renda extra nos primeiros meses do ano. A paisagem fica tomada por barracas improvisadas, muitas delas instaladas em áreas nobres, como os gramados entre os eixos ao longo da Asa Norte. Além dos migrantes, os próprios moradores de regiões mais pobres do Distrito Federal deixam suas cidades para viver, temporariamente, no centro de Brasília.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do DF (Sedest) admite o aumento no número de pedintes, mas descarta a adoção de qualquer prática diferenciada para retirar essas pessoas da rua. Tanto que não vai intensificar o trabalho de abordagem aos pedintes, que continuará sendo feito por 28 profissionais da secretaria. Em compensação, a comunidade se mobiliza para evitar que esmolas sirvam para atrair mais moradores para as ruas nesta época.
O Conselho Comunitário de Segurança do Sudoeste, um dos bairros mais nobres do Plano Piloto, relançou agora uma campanha realizada pela primeira vez em junho. Intitulado ;Dê oportunidades, não dê esmolas;, o movimento tem o objetivo de convencer os moradores a não ajudar os pedintes. Como alternativa, o conselho instalou, na comercial da 102, um posto de recolhimento de roupas, brinquedos e alimentos. O objetivo é organizar a distribuição das doações, evitando que os moradores de rua fiquem perambulando atrás de esmolas.
A autônoma Tânia Santos, 43 anos, acredita que a campanha dará certo. ;Tem um cartaz no meu prédio orientando para não darmos esmola. Graças a isso, percebemos a diminuição do número de pedintes no Sudoeste, principalmente no fim do ano. Como a outra campanha deu certo, esta vai ajudar quem realmente precisa;, acredita. Ela passou a tarde de ontem arrumando os brinquedos recebidos pelos moradores. ;Estamos recebendo muitas doações. Somente os alimentos têm chegado em menor quantidade;, afirma.
O bairro revive uma polêmica ocorrida em 2000. Na ocasião, parte da comunidade se mobilizou contra a construção de escolas públicas e postos de saúde no local. O receio era o mesmo de agora: atrair pessoas pobres, que passariam a circular com mais frequência pelo Sudoeste, onde o metro quadrado é um dos mais caros de Brasília, superando a casa dos R$ 10 mil.
Tanto a coordenadora do Serviço Especializado de Abordagem Social da Sedest, Meire Lia Lima, quanto a sociólga Camila Potyara, pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Política Social da Universidade de Brasília, concordam que dar esmola não é o melhor caminho para pôr fim à mendicância nas ruas da capital. As duas descartam, no entanto, que a retirada dessa população das ruas ou qualquer campanha contra a doação de esmolas sejam as melhores soluções.
;Quando se levanta a bandeira contra a esmola, se criminaliza quem pede. Esse não é o caminho;, afirma a socióloga. ;Ao mesmo tempo, quando você doa dinheiro, a pessoa pode achar que essa é a única maneira de ganhar a vida;, alerta Meire Lia Lima. A orientação para quem deseja ajudar os necessitados é procurar organizações especializadas ou o Núcleo Especializado de Abordagem Social da Sedest, pelo telefone 3322-2973.
O alto poder aquisitivo dos moradores de Brasília somado à disposição de doar no fim do ano atrai, principalmente, goianos, baianos, mineiros e moradores de cidades do DF mais carentes, como Santa Maria e São Sebastião. ;Essas pessoas que vêm de estados e de cidades vizinhas, na maioria das vezes, têm casa. Eles chegam a partir de novembro e, em janeiro ou fevereiro, vão embora;, explica Camila Potyara. Para ela, esse pedintes não podem ser considerados população de rua.
A maior parte dos barracos de quem veio tentar a sorte em Brasília estão armados no Plano Piloto, principalmente na Asa Norte. Na tarde de ontem, a equipe do Correio flagrou vários homens, inclusive uma criança pedindo dinheiro na W3 Sul. Com uma caixinha vermelha, o garoto de, no máximo 8 anos, abordava as pessoas na esperança de garantir colaborações para ter um Natal melhor.
Reforço no orçamento
A faxineira Maria do Socorro*, 41 anos, se instala, desde o ano passado, no fim da W3 Norte com os três filhos menores. Ela chegou na segunda-feira e pretende ficar no gramado até 23 de dezembro. ;Ou até quando o GDF tirar a gente daqui.; A baiana de Jacobina mora, há 5 anos, em Santa Maria e conta que no fim do ano, as faxinas diminuem porque muitas patroas viajam. O serviço precário, sem qualquer direito trabalhista ; como o 13; ou férias ;, faz da mendicância a saída para manter o orçamento. ;Preciso comer e comprar material escolar para as crianças. Como os moradores da Asa Norte são bons e eu conheço a região porque trabalho aqui perto, venho pra cá;, conta.
A baiana pediu para não ser identificada porque teme a reação das pessoas para quem trabalha caso saibam que ela pede na rua. A faxineira também se diz preocupada com a reação dos colegas de classe dos filhos. ;Eles podem ser ofendidos na escola, né?; Com as faxinas, Maria do Socorro tira R$ 210 semanais. Sem as diárias, ela diz ter dificuldade em pagar o aluguel dos três cômodos em que vive, cujo valor é de R$ 250. ;Se eu tivesse marido, não vinha, mas como tenho que cuidar dos quatro meninos, a gente corre atrás.;
Mapeamento
A última pesquisa de mapeamento da população em situação de rua no DF feita pela Sedest é de 2009. De acordo com o estudo, na época, existiam 2.365 pessoas morando nas áreas públicas do DF: 38,2% estavam no Plano Piloto, sendo 37,3% na região central, 38,3% na Asa Norte e 24,4% na Asa Sul.