postado em 16/12/2011 08:30
Talentos são desperdiçados por conta do preconceito. Cercados de estereótipos, homens que dançam balé enfrentam obstáculos para se manter na atividade. Às vezes, é preciso desafiar a família, amigos e toda a sociedade para seguir dançando. Enquanto meninas matriculam-se aos montes todos os dias, as academias encontram dificuldades para conseguir bailarinos. Em busca do equilíbrio entre os gêneros, a Escola de Balé Lúcia Toller, na 308 Sul, oferece bolsas de estudo a rapazes com potencial. O principal pré-requisito para ganhar o incentivo é a força de vontade.Atualmente, 15 homens fazem parte do corpo de dança dessa academia. A maioria vive fora do Plano Piloto e não teria condições de pagar pelo aprendizado. A força e a virilidade masculina fazem toda a diferença nos espetáculos como o La fille mal gardée, apresentado no último fim de semana, no Teatro Nacional, com sessões lotadas. Eram apenas 15 rapazes, entre as 500 pessoas no palco. ;Há uma discriminação muito grande. O balé masculino precisa de alguém que invista, senão, fazemos só com moças e a apresentação fica capenga. É necessária a força do homem;, explica Lúcia Toller.
Murilo Campos de Lira, 25 anos, veio para Brasília em 2005. Deixou a terra natal, Sousa, na Paraíba, para tornar-se padre. Pretendia entrar para um seminário. Ao chegar à capital do país, porém, mudou de ideia. Cursou faculdade de jornalismo, mas não chegou a exercer a profissão. No ano passado, soube da oportunidade de dançar de graça. Arriscou-se. ;Nunca tinha me imaginado como um bailarino. Nem pensava no assunto. Mas algo me atraiu. Hoje, o balé é o que quero para a minha vida;, diz.
Os pais de Murilo, que vive em Taguatinga, jamais assistiram a uma apresentação do filho. ;Eles não entendem a grandiosidade do balé. Não ajudam, mas também não atrapalham;, avalia o jovem. O rapaz ainda frequenta a igreja, apesar de ter desistido de ser padre. Tem o respeito dos colegas. ;O que me faz seguir em frente é força de vontade. Acredito em mim. Nunca me senti tão completo e tão vivo.;
Os problemas enfrentados por Murilo são comuns nesse meio. Anderson Vargas, 23 anos, dança balé há três. Antes, dedicava-se à dança de salão. ;Sou filho de militar conservador. No começo, minha família achou muito esquisito. Tive de prestar vestibular para artes cênicas, para continuar dançando. Quando alguém se apaixona pela dança, não há como segurar essa pessoa;, resume Anderson. A sensação de liberdade que vem da arte seduz. Anderson tatuou as palavras soul (alma, em inglês) e dance (dança, no mesmo idioma), nos braços. ;Essa forma de expressar sentimentos vem da alma;, explica o bailarino.
Dificuldades
Pedro Henrique Dalvi, 22 anos, morador da Asa Norte, é uma exceção. Há nove anos no balé, o rapaz teve incentivo da mãe. Mesmo assim, foi vítima de preconceito nos tempos de escola, por conta da dança. ;Existe muita discriminação, mas a paixão e a garra superam tudo isso;, atesta. Pedro cursa faculdade de engenharia na Universidade de Brasília (UnB). Divide o tempo entre as aulas e os ensaios. ;Ser bailarino no Brasil é muito difícil. Quando se consegue uma vaga em uma academia boa, o salário ainda é baixo. No exterior, quem dança profissionalmente tem status de ídolo. Aqui, é muito diferente;, observou.
A maior parte dos rapazes começou dançando outros estilos. Diego Arruda, 25 anos, morador de Sobradinho, dedicava-se ao street dance. ;Não tinha condições de pagar por aulas de balé, que geralmente são caras. Quando soube da bolsa, quis experimentar. Foi amor à primeira vista.; Este ano, Diego conseguiu papel de primeiro bailarino, uma posição de destaque, no espetáculo La fille mal gardée.
Paulo Vinícius Pereira, 23 anos, morador do Guará, começou a ter aulas de balé há três meses. Antes, era adepto da dança de salão. ;Descobri que não sou dançarino de um ritmo só. Meus dias se tornaram mais motivantes.; A apresentação do fim de semana passado foi a primeira de Paulo. Também vindo da vivência da dança de salão, Ricardo Souza, 19 anos, é bailarino há nove meses. Perdeu quase 20kg para se dedicar ao balé. ;Tinha vergonha no começo, problemas com meu corpo. O balé me fortaleceu;, assegura. Ricardo namora a também bailarina Marina Vidal, 18 anos.
Boa parte dos meninos já dá aulas e sonha viver da arte. O maior incentivador para os garotos é o professor e diretor de arte Rodrigo Mena Barreto, 34 anos. Há 10 anos na academia de Lúcia Toller, ele explica que os passos e os movimentos no balé masculino são diferentes das práticas utilizadas no feminino. ;São delicadezas diferentes. Minha mãe me apresentou à dança. Mas sei que muitos meninos desistem do balé porque os pais não querem;, lembrou Rodrigo. ;Existe uma cultura de que meninos só podem jogar futebol. Oferecemos bolsas para motivar sonhos. Sem sonho, a alma empobrece vira nada;, avaliou Lúcia.