Cidades

Crianças retratam tragédias de trânsito vividas por sobreviventes do Sarah

Em visitas ao Sarah, hospital de referência no tratamento de vítimas de acidentes, alunos de escolas públicas e privadas escrevem e desenham sobre a experiência de conhecer e interagir com sobreviventes da triste guerra do trânsito

postado em 24/12/2011 09:02
Eles conhecem pouco da vida. Alguns não completaram a primeira década. Porém, são incrivelmente sábios. Sensíveis. Têm poder de persuadir os próprios pais, fazê-los entender mensagens simples, mas que custam vidas. Às vezes suas próprias. As crianças foram eleitas pelo Sarah, hospital de referência no tratamento de acidentados ; a maior parte deles no asfalto ; para serem multiplicadoras de ensinamentos sobre prudência e bons modos no trânsito.

Só neste ano, 110 mil alunos de escolas públicas e privadas, entre 10 e 12 anos, visitaram as unidades da Rede Sarah em Brasília, Salvador, São Luís, Belo Horizonte e Fortaleza. No hospital que trata o corpo e a mente de sobreviventes de tragédias, crianças são apresentadas a histórias, muitas delas sem final feliz.

Da enfermaria de uma guerra urbana, essas pessoas ainda em formação tiram lições para a vida. E deixam suas impressões em desenhos, cartinhas de agradecimento, de apoio a colegas que já não podem andar, jogar bola, que perderam a fala, os movimentos, os pensamentos. Sonhos infantis, boa parte deles deixados no asfalto.

Mas criança enxerga além. Muitas escrevem mensagens otimistas, de recuperação. Usam vocabulário infantil. Às vezes, cometem erros de português, mas são precisas no conteúdo. ;Tantas mortes, tantos acidentes que ocorrem nesse mundo. Vocês também foram vítimas e, por isso, que peço toda paz e saúde (;) Que vocês se recuperem e possam fazer tudo o que têm vontade, como eu!”, deseja Ana Luísa, aluna da Escola Classe 04 de Planaltina.

Em traços despretensiosos desenham a dor, pintam o sofrimento em cores primárias. ;Queridos pacientes, estou muito impressionada com os casos que ocorreram, eu quero que vocês se recuperem logo (;) Agora, eu vou ensinar a oração do Pai Nosso (;);.

Os pequenos aprendem e ensinam: ;Usem o cinto de segurança;. Explicam com bonecos voadores, arremessados de seus carrinhos coloridos, o que acontece para os que esquecem um dos mandamentos para motoristas e passageiros. ;Cuidado ao atravessar a rua; é a legenda do desenho de Thayanne, da 4; série.

No imaginário da menina, o asfalto é rosa, a nuvem, azul. A bonequinha dá sinal de vida. Os carros respeitam a faixa, pintada num amarelo vivo. As de verdade, algumas vezes, estão desbotadas. Mal posicionadas, são como arapucas para pedestres. Na série ;Órfãos do asfalto;, publicada desde o último domingo, o Correio mostrou exemplos de locais em que esses equipamentos de segurança mais atrapalham do que ajudam.

O que as autoridades tentam sensibilizar com estatísticas, Matheus captou em seu desenho. Para ele, carro tem boca, olho, é vivo. Dois deles se encaram raivosos, prontos para o ataque. As colisões frontais são as mais perigosas. Quebram o corpo, a cabeça, a coluna, roubam até a personalidade, ;o eu;, como ensinou a diretora-executiva do Sarah, Lucia Willadino, em entrevista ao Correio na edição de ontem: ;É muito ruim ficar paraplégico, é muito ruim ficar tetraplégico. Mas ficar sem o eu é ainda pior. Com pancadas graves no cérebro, você passa a não se reconhecer;. Dos 395 acidentes com mortes em vias do DF, a maioria (153) foi assim, como no risco de Matheus. Um duelo de carros raivosos.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação