postado em 24/12/2011 09:25
Após mais de meio século da criação de Brasília, os servidores do Distrito Federal passam a contar, a partir de janeiro de 2011, com uma legislação específica própria. Até então, eles eram regidos por dezenas de leis diferentes. O governador Agnelo Queiroz (PT) sancionou ontem, no início da tarde em solenidade no Palácio do Buriti, a Lei Complementar n; 840, que institui o Regime Jurídico Único dos servidores do DF. Na avaliação do Palácio do Buriti, o projeto mantém a originalidade da proposta elaborada ao longo do ano, já que poucas emendas apresentadas pelo Legislativo modificaram o texto. Ao todo, cinco mudanças sugeridas pelos deputados distritais foram vetadas pelo governador (veja detalhes no quadro). A nova legislação afeta 132 mil funcionários públicos do DF.Entre os vetos do Executivo, está a brecha ao nepotismo incluída por meio de emenda pela Câmara Legislativa (CLDF) em uma manobra na última sessão do ano (15 de dezembro). ;A Câmara incluiu essa emenda e vetei;, simplificou o governador. Com isso, valem as regras que constavam no projeto original, que estabelece a proibição à nomeação, em cargo de confiança, de parentes de até terceiro grau e cônjuges dentro do mesmo órgão. As regras se aplicam a Executivo, Legislativo, Ministério Público do DF e Territórios e Tribunal de Contas do DF. É também proibido o nepotismo cruzado e a contratação de companheiros de relações homoafetivas.
O reconhecimento legal de uniões homoafetivas no âmbito do funcionalismo público, aliás, não é a única regra de vanguarda que consta na legislação sancionada pelo governador. A lei, que tem 295 artigos, também inclui regras de combate à corrupção, discriminação e assédio (moral, político e sexual). Também estão previstos crimes cibernéticos, como envio de vírus e de pornografia. ;Temos agora o regime jurídico dos servidores mais moderno do país;, garante Agnelo.
Ficha limpa
Outro ponto considerado como avanço pelo Palácio do Buriti foi a validação das mesmas regras de inelegibilidade que constam na legislação eleitoral ; lei da ficha limpa ; para a contratação de funcionários em cargos de confiança ou comissão. O que consta como oito anos de inelegibilidade para os políticos é considerado como tempo de proibição para aqueles funcionários que tenham a ficha suja, ou seja, com problemas com a Justiça. ;É preciso que os nossos servidores sirvam de exemplo, que tenham a ficha limpa;, destacou o secretário de Administração Pública do DF, Wilmar Lacerda.
A lei estabelece muitos direitos para os servidores, conforme destacou o próprio presidente da regional DF da Central Única dos Trabalhadores (CUT), José Eudes, que participou das discussões a respeito dos detalhes da proposta. ;Esse Regime Jurídico Único vem em boa hora e é uma conquista. Ele vem fazer justiça a milhares de trabalhadores;, destacou. No entanto, por outro lado, a legislação também impõe regras e deveres aos trabalhadores no serviço público do GDF. ;O servidor tem seus direitos e não pode ser perseguido. Mas ele também tem de cumprir sua tarefa. E vamos cobrar isso;, exigiu o governador.
Os servidores têm uma série de condutas que precisam seguir dentro do funcionalismo público. ;Ele tem de atender bem a sociedade, afinal, essa é a sua função;, acrescentou o secretário de Administração, Wilmar Lacerda. Em caso de denúncias, como as de caráter de intolerância racial, sexual e religiosa, o funcionário será investigado e, comprovado o desvio de conduta, poderá sofrer advertência, passando por suspensão e até mesmo ser demitido. ;A população pode agir para poder cobrar o bom funcionamento e, consequentemente, possibilitar que a administração cobre do servidor a sua responsabilidade;, ressaltou o governador Agnelo Queiroz. Mas a lei também resguarda o funcionário que sofrer qualquer tipo de abuso. O Estado o defenderá nesse caso.
O titular da Secretaria de Administração Pública adiantou que é intenção do GDF tomar algumas providências relacionadas à saúde do trabalhador público a partir do próximo ano. Wilmar Lacerda adiantou que o governo pretende colocar em prática legislações que garantam o acesso dos servidores a um plano de saúde e que possibilite a criação de um plano de prevenção do trabalhador público. ;Precisamos cuidar bem do servidor para que ele cuide bem da sociedade;, resumiu.
Revogação em massa
Confira os principais pontos aprovados da Lei Complementar n; 840 e todos os vetos:
; Vai atingir: 132 mil servidores públicos.
; Estão dentro: funcionários do Executivo (órgãos, autarquias e fundações); e do Poder Legislativo (Câmara Legislativa e Tribunal de Contas do DF).
; Ficam fora: militares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros), policiais civis; funcionários do Poder Judiciário; do Ministério Público; e da Defensoria Pública.
Em destaque:
; Ficha limpa ; Passam a valer, para a contratação de cargos de confiança ou comissão, as mesmas regras de inelegibilidade previstas na legislação eleitoral (lei da ficha suja), observando o mesmo prazo de incompatibilidade (8 anos).
; Antinepotismo ; Estão oficializadas normas para impedir contratação de familiares de até 3; grau, além de cônjuges, para cargo de comissão ou de confiança. Regras se aplicam ao Executivo e ao Legislativo, além do Ministério Público e Tribunal de Contas. Câmara Legislativa incluiu uma emenda para driblar a proibição, mas o governador a vetou.
; Mão dupla ; Estabelece direitos e deveres dos servidores. Inclui regras de respeito mútuo entre funcionalismo e a sociedade. Institui pontos contra preconceito e intolerância (racial, sexual e religiosa).
; União homoafetiva ; Passa a ser reconhecida e considerada válida em vários aspectos, inclusive para a parte de nepotismo.
; Reserva legal ; Institui que pelo menos metade dos cargos em comissão devem ser preenchidos por servidores de carreira.
Os vetos do governo a emendas feitas pela Câmara Legislativa:
; 1 ; Abertura para contratação de parentes de até 3; grau no âmbito do mesmo órgão. O GDF entende que devem valer as regras da súmula vinculante do Supremo.
; 2 ; Possibilidade de reajuste acumulado para servidores que no passado exerceram cargos em comissão recebendo vencimentos acima do salário legal. Executivo entende que deve continuar valendo a regra atual e que foi incluída no RJU, que não reajusta o acumulado.
; 3 ; Emenda apresentada pelos parlamentares relacionada com o item anterior.
; 4 ; Proibição de fazer novos concursos enquanto restar vagas de um concurso anterior a serem preenchidas. GDF justifica que não pode ter tolhida a sua atribuição de criar concursos a qualquer tempo.
; 5 ; Ampliação do tempo de licença não remunerada de 5 para 10 anos para servidor acompanhar cônjuge que residir fora do DF. O governo entende que isso pode ter impacto nos prazos de aposentadoria.
; 6 ; Contradição do próprio projeto enviado pelo Executivo, que inclui duas vezes o mesmo artigo sobre contagem do tempo de serviço. O GDF retirou um dos pontos.A Lei Complementar n; 840, sancionada ontem por Agnelo Queiroz, revoga a aplicação de 57 leis no Distrito Federal. Eram elas que regiam o funcionalismo público até então. O conjunto de leis, pareceres, decretos e doutrinas era tão grande que o governador o classificou de ;anarquia;. O GDF acredita que, com a nova legislação em vigor, terá a possibilidade de uma estabilidade jurídica para o funcionalismo.
A Câmara incluiu essa emenda e vetei;
Agnelo Queiroz, governador do DF, sobre a manobra da Câmara Legislativa que abria possibilidade para nepotismo na administração pública
É preciso que os nossos servidores sirvam de exemplo, que tenham a ficha limpa;
Wilmar Lacerda, secretário de Administração Pública do DF, sobre a validade das mesmas regras eleitorais (lei do ficha suja) para a contratação de servidores comissionados
Fonte: Secretaria de Administração Pública do GDF.
Longa gestação
Administrações anteriores chegaram a discutir a possibilidade de reunião de todas as leis relacionadas ao funcionalismo público do Distrito Federal. Mas foi somente neste ano que a discussão avançou de fato, a ponto de serem tomadas medidas práticas que levassem à criação de um projeto de lei.
Os primeiros debates a respeito do tema na administração Agnelo Queiroz foram iniciados ainda na composição de sua equipe de governo, no fim do ano passado. Um dos personagens que participou da montagem da proposta foi o atual coordenador de assuntos legislativos do GDF, José Willeman, que acompanhou discussões sobre o tema nos últimos 20 anos no âmbito da Câmara Legislativa do DF (CLDF).
Em março, um esqueleto básico da proposta foi montado e apresentado internamente ao GDF. De abril a agosto, foram abertas discussões e audiências públicas reunindo representantes do governo (como de secretarias e da Procuradoria Geral do DF), da Câmara Legislativa, do Tribunal de Contas do DF, dos movimentos sindicais e da sociedade civil organizada. A partir dessas discussões, o projeto foi lapidado e ganhou contornos. ;O processo de discussão foi amplo;, explicou José Willeman.
O projeto de lei foi encaminhado pelo Executivo ao Legislativo em 28 de setembro, quando é comemorado o Dia do Servidor Público. Apesar da data avançada para a chegada de um projeto de tal envergadura, o presidente da Câmara Legislativa, Patrício (PT), explica que não houve dificuldades para sua apreciação e aprovação. ;Ele foi construído com a participação da assessoria dos deputados, com o GDF, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), os sindicatos e a sociedade. O projeto chegou aqui amadurecido;, entendeu.
A proposta tramitou pelas comissões e recebeu ao todo 122 emendas. Cerca de 20 foram aprovadas e incluídas na proposta original do Executivo. O projeto de lei foi aprovado pelos deputados na última sessão do ano, em 17 de dezembro, com a inclusão da famigerada emenda do nepotismo, vetada ontem pelo governador Agnelo Queiroz na sanção da lei.