Vésperas de Natal e os semáforos na Esplanada dos Ministérios estão repletos de crianças com caixinhas a espera de doações dos brasilienses, conhecidos pelo espírito solidário. Cinco delas entre 10 e 13 anos estavam na última quinta-feira na altura da Catedral Metropolitana de Brasília e pediam ajuda dos motoristas para passar um Natal um pouco mais feliz, com roupas novas e brinquedos legais. Eram mais de 13h e os meninos ainda não tinham almoçado. Se aproveitavam do fluxo de carros nesse horário para só depois irem embora, comer alguma coisa e voltar mais tarde, em horário de pico.
A reportagem do Correio conversou com três deles. De blusa vermelha e bermuda, Daniel, 10, segurava a caixa pequena e com um furo no centro. Estava ali a pedido da mãe. "Vou pegar o dinheiro e vou dar para ela comprar arroz e feijão para gente", contou. Daniel mora em um barraco de madeira em uma invasão nas barbas do poder público, próximo ao Palácio do Jaburu. O maior sonho da criança é ter uma casa de concreto, com banheiro e chuveiro de água quente, cama, sofá e quintal para brincar com cachorros. "Queria ganhar uma casa de presente de Natal. Onde eu moro ensopa tudo quando chove. A gente vive no aperto e é muito ruim", disse o rapaz, envergonhado por estar ali pedindo esmola. "Não fotografa não. Acho muito feio", disse.
Daniel toma banho de todos os dias em alguma torneira que encontra nessas andanças pela Esplanada dos Ministérios e Rodoviária do Plano Piloto. Ele sempre está acompanhado dos primos e amigos da rua. Por dia, ele diz ganhar cerca de R$ 20. "Eu compro o pão de cada dia, o leite, o arroz e o feijão e só", contou. O garoto diz morar em invasão há quatro anos e alimenta o sonho de ser policial um dia. "Acho bonito", explicou.
Daniel não queria perder muito tempo falando com a reportagem. O sinal vermelho do semáforo era sinônimo de mais doações. Alguns davam entre R$ 0,25 e R$ 1. Viver na rua não tem sido uma tarefa fácil para Daniel, que diz ver muitas "coisas erradas". "Tem muita briga e droga", contou. Mas o menino garante não ter nem chegado perto de crack e outras drogas. "Deus me livre", disse o rapaz.
Junto com Daniel estava também Henrique. O menino de 11 anos quer passar o Natal de roupas novas. O melhor presente de sua vida foi o do Natal do ano passado, quando ganhou um carro de brinquedo. "Só que estava com as rodinhas todas quebradas", lembrou, decepcionado. A criança que acredita em papai noel espera ganhar uma bicicleta. "Nunca tive uma", disse. Henrique pretende estudar para ser médico. Ele mora em Planaltina de Goiás (GO) e chegou em Brasília no último sábado junto com a família. "A gente sempre vem porque aqui as pessoas ajudam a gente",contou.
A Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) informou que 2.365 pessoas estão em situação de rua no DF. Destas, 68,9% vieram de outros estados. Os lugares de maior concentração de pedintes são Plano Piloto (38,2%), Taguatinga (19,9%) e Ceilândia (9,7%). "Estima-se que nos últimos meses do ano, devido às festividades, há um aumento no quantitativo da população em situação de rua no DF, porque as doações tendem a crescer nesse período", disse nota da assessoria de comunicação da Sedest.A assessoria diz ainda que são feitas abordagens sistemáticas com objetivo de construção de um processo educativo que vise a desconstrução do espaço das ruas como única alternativa de local para pernoite e meio de sobrevivência.
"Queria ganhar uma casa de presente de Natal. Onde eu moro ensopa tudo quando chove. A gente vive no aperto e é muito ruim".
(Daniel, 10 anos, mora em um barraco de madeira em uma invasão próximo ao Palácio do Jaburu)