Jornal Correio Braziliense

Cidades

Adoção muda o destino do Natal de professor e duas crianças


A vida de Dioney Moreira Gomes está em fase de reconstrução. Aos 36 anos, sem filhos e com um casamento desfeito, ele procurava um caminho que trouxesse alegria. Decidiu colocar em prática um desejo antigo, o de ser voluntário. Em janeiro deste ano, visitou um abrigo em Luziânia para conhecer a realidade de crianças que vivem sem pai e mãe. Ao chegar, encontrou um menino sozinho em uma sala, jogando videogame. O garoto tinha grandes olhos negros, espertos e sempre em busca de algo.

Era Cleiton, 13 anos, uma criança deixada aos cuidados da instituição de caridade com pouco mais de um ano. Ao aproximar-se do garoto, mesmo sem saber, o visitante chegava mais perto de um desejo antigo, a paternidade. A identificação foi imediata. Os dois passaram horas juntos, brincando e rindo. Cleiton apresentou o irmão Cleverson, também morador do abrigo e apenas um ano mais novo que ele.

As primeiras lembranças de vida dos irmãos remetiam ao abrigo. Nunca haviam recebido a visita de tios, primos ou avós. Na ficha cadastral, constava a informação de que eram ;órfãos e sem parentes;. A maior parte das famílias em busca de adoção quer bebês, crianças brancas. E não cogita levar para casa dois irmãos. Cleiton e Cleverson tinham tudo para seguir o mesmo destino da maior parte das pessoas deixadas em abrigos.

Mas os relatos sobre esse vazio de referências e raízes comoveram o visitante. O professor circulou pelos corredores da casa. Viu dezenas de outros meninos e meninas, todos com a mesma carência de Cleiton e Cleverson. Nenhum dos outros, porém, despertava de forma tão plena o sentimento de identificação e carinho espontâneo como havia ocorrido com os dois irmãos. Em casa, Dioney pensou nas crianças que havia conhecido. Ele não percebeu de imediato, mas a ligação iniciada ali nada tinha a ver com caridade. Mais do que isso, era um elo familiar.

Dias depois, o educador retornou ao abrigo. Ao chegar, as crianças gritaram para Cleiton e Cleverson: ;O pai de vocês chegou;. ;Foi uma coisa tão natural. Até os colegas dos meninos perceberam a nossa ligação. Já me chamaram de pai. Fiquei emocionado;, relatou. O professor buscou a Justiça para conseguir adotá-los. Meses depois, conseguiu autorização de um juiz para levar os meninos para casa, nos fins de semana.

Guerreiros
Além de pai, os meninos ganharam avós, tios e primos. Conheceram a sensação de acolhimento. Em 1; de dezembro, o juiz publicou a decisão favorável ao pai, sobre a guarda definitiva dos dois irmãos. Cleiton e Cleverson agora são, respectivamente, Arthur e Heitor. Escolheram nomes novos, para combinar com a vida nova. ;Preferimos nomes fortes, de guerreiros, pois é isso que eles são;, explicou Dioney.

Vão morar também em uma casa feita especialmente para eles, de dois andares, que ficará pronta em duas semanas, no Taquari, perto do Colorado. ;Eu terminei um casamento recentemente. Reconstruí a minha vida, em todos os sentidos. Por isso, a casa diferente, para uma vida que acaba de começar;, relatou o pai.

Arthur e Heitor estão passando o primeiro Natal na casa da avó. Ganharam presentes e, o mais importante, carinho. ;Quando a gente estava no abrigo, eu sonhava com família. O Natal não era tão bom, nem aniversário. Pensava no dia que eu ia conhecer meu pai. Nesse Natal, quero muito amor;, disse Arthur Moreira Gomes, o filho mais velho.

Os meninos já estão matriculados na mesma escola. Vão aprender a tocar instrumentos musicais. Frequentam a Universidade de Brasília com o pai, que dá aulas na UnB. Arthur é pura admiração. ;Quero ser professor na universidade, como o meu pai;, disse, orgulhoso. Os dois irmãos conheceram também regras de convivência. Dioney escreveu os ;10 mandamentos; da casa. Entre eles, um ganhou destaque: nunca abandonar a família.