postado em 26/12/2011 09:05
Victor Hugo aprendeu desde pequeno o valor da perseverança. Uma casa se constrói tijolo a tijolo. Um futuro de perspectivas se faz com anos de estudo. O pai de Victor estudou pouco. Só o ensino fundamental. Mas construía tijolos. Depois, armários, estantes, portões, casas. O menino cresceu com o valor do trabalho e a orientação para o estudo. Aos 18 anos, Victor é técnico em informática. Em fevereiro, começará a frequentar a universidade. Será aluno de análise e desenvolvimento de sistemas. ;Meu pai sempre me disse que eu tinha de estudar para ser alguém. É o que eu estou fazendo;, lembra o jovem. Os conselhos de Clênio de Souza agora são herança para o rapaz de 18 anos que perdeu o pai em um acidente de trânsito. Ontem, foi o primeiro Natal de ausência e lembranças.
Na sexta-feira antevéspera do Natal, fez seis meses desde que Clênio de Souza morreu em um desastre. Ele estava em um Fiat Strada parado no acostamento da entrada para São Sebastião, no entroncamento da DF-473 com a BR-251, próximo ao acesso para Unaí (MG). O carro dele foi atingido por um caminhão e rodopiou na pista. O serralheiro foi arremessado na pista. Aos 47 anos, tornou-se mais uma vítima do trânsito em 2011 e fez órfão Victor Hugo e outros três irmãos, dois deles com menos de dois anos de vida (Felipe e Antony). A tragédia que separou para sempre pai e filhos foi uma de um total de 398 acidentes que colocaram ponto final à vida de 456 pessoas só em 2011.
Na última semana, o Correio contou histórias de separação, como as de Victor Hugo e Clênio. Pais, filhos, irmãos, profissionais que se foram e deixaram um vácuo de tristeza para os sobreviventes da guerra no asfalto, onde todos são soldados, motoristas e pedestres. Por trás de estatísticas assustadoras ; há mais acidentes e mortes do que dias no ano ;, há profundas histórias de sofrimento, de rompimentos prematuros, de fatos inesperados como o daquele 23 de junho. Clênio se preparava para uma festa. Mas foi surpreendido com uma tragédia. Havia deixado o filho mais velho no curso, onde Victor Hugo prepararia um trabalho final. De lá, o serralheiro foi à fazenda do sogro ; embora marido e mulher já não vivessem juntos há seis anos ; buscar um porco para assar. Era feriado de Corpus Christi.
Dos 18 anos de vida, Victor Hugo viveu cinco na casa do pai, o que fortaleceu a relação entre os dois. Ajudava Clênio no ofício da serralheria. Eles construíram juntos o galpão da Escola São Paulo, em São Sebastião. ;Quando eu passo nas ruas, reconheço o trabalho do meu pai em várias casas onde ele fez o portão;, conta. Pai e filho sonhavam reformar o apartamento da família. Mas Clênio e todos esses planos foram arremessados no asfalto no dia do acidente.
Rodovias federais
O trecho onde ocorreu o desastre com Clênio é considerado um dos mais perigosos da região. Somente na BR-251, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou este ano 71 acidentes, com 104 feridos e pelo menos quatro mortes. Agora, familiares do serralheiro lutam para que o governo construa um viaduto no local. ;Os caminhões descem em alta velocidade e às vezes não dá tempo de arrancar com o carro para entrar no retorno;, diz Rodrigo Vasconcelos, 21. Ele é primo de Victor Hugo e sobrinho de Clênio. Manifestações foram feitas no entroncamento, mas até agora apenas a sinalização foi reforçada.
Acidentes de trânsito têm deixado rastros de sangue nas rodovias federais que cortam o Distrito Federal e as cidades do Entorno. Desde o início do ano, 244 pessoas morreram em BRs na região. E pelo menos outras 2.455 ficaram machucadas em 1,6 mil acidentes registrados nas BRs. Significa dizer que, para cada morto, a guerra também deixa 10 feridos.
Na BR-040 ; liga Brasília a Belo Horizonte e Rio de Janeiro e também dá acesso à estrada que vai para São Paulo ;, muitas vidas foram interrompidas. Somente este ano, nos trechos que passam por DF e pelo Entorno, foram 48 mortes e 709 feridos. No último dia 20, o promotor de Justiça Albertino de Souza Pereira Netto, 35 anos, sua mulher, Roberta, e o filho, Bruno, de 14 anos, morreram carbonizados em um acidente próximo à cidade de Luziânia. Eles passariam o Natal em família na cidade de Conselheiro Lafaiete, a 100km de Belo Horizonte (MG). Deixaram os próprios pais órfãos.
Quando eu passo nas ruas, reconheço o trabalho do meu pai em várias casas onde ele fez o portão;
Victor Hugo de Souza, que perdeu o pai serralheiro em um acidente de trânsito na DF-251