Luiz Calcagno
postado em 31/12/2011 08:00
A família de Beatriz Silva do Nascimento, 9 anos, violentada e morta no último domingo, passou o dia ontem a receber amigos e familiares na QS 11, no Areal, em Taguatinga Sul. Os sentimentos na casa da menina variavam da tristeza à revolta por conta da crueldade cometida pelo pedreiro Francisco Cosme Leal Gomes, 39 anos. A mãe da garota, a operadora de máquinas Maria de Lourdes Silva Alves Feitosa, 37 anos, estava inconsolável. Em conversa com o Correio, ela disse que outro ano terá início, mas ela não sabe onde encontrará ;forças para recomeçar também;.
O mais doloroso, segundo Lourdes, são as memórias deixadas desde a adoção da menina, com 1 ano. A mãe reclama agora do silêncio dentro de casa e recorda o abraço apertado que ganhou de Beatriz, ainda bebê ; as duas se conheceram na residência de uma amiga, em 2002. ;Ela sempre me beijou muito, sempre ficou comigo. Às vezes, eu dizia que ninguém gostava de mim, mas ela gostava. Se ela estivesse aqui, estaria bagunçando com os primos. Ela era risonha, esperta e forte. Caía, mas logo levantava. Se levasse uma bronca, ficava no canto, mas, pouco depois, estava brincando novamente.;
Ativa, a garota gostava de brincar na frente de casa e, vez ou outra, ia à padaria comprar pão. Parou de estudar quando ainda aprendia a ler, no 2; ano do ensino fundamental, mas sonhava em ser professora. Uma das brincadeiras prediletas era enfileirar as cadeiras de casa com uma prima, colocar as bonecas sentadas e fazer de conta que dava aulas. O irmão da garota, o estudante Daniel Silva de Sousa, 16 anos, recordou que, quando ela brincava, o que mais marcava era a risada. ;Ela era perfeita. Era educada com as pessoas, gostava de conversar, de ver TV, era fã do seriado Chaves. Sabia até as falas de cor. Muito inteligente;, descreveu.
Daniel foi quem primeiro reparou na demora da irmã, que saiu para ir à padaria no dia de Natal, por volta das 11h. As pessoas na casa acordaram tarde no dia e estavam reunidos na sala. Uma tia da menina pediu que ela comprasse o café da manhã. Ela disse que ia, mas queria ficar com o troco. Achando graça, os parentes aceitaram as condições. ;Às vezes, ela ia comprar pão e demorava. Ficava brincando com os meninos na rua antes de voltar. Então, de início, não nos preocupamos. Mas o tempo passou e ela não voltava. Eu estranhei e saí com a minha mãe para procurá-la. Andei o Areal inteiro, mas ela já tinha sido levada;, lamentou o adolescente.
Laços
Beatriz tem outros dois irmãos e uma irmã por parte de pai, o agente de limpeza e conservação Reginaldo Pereira do Nascimento, 51 anos ; ele é divorciado de Lourdes. Contou que, quando olha para a frente, ;vê apenas desilusão; (leia depoimento). ;Quando penso no futuro, fico me perguntando quando essa violência vai acabar. Acho que nunca. Lembro que um tempo atrás perguntei se ela (Beatriz) tinha vontade de morar comigo, mas quis ficar com a mãe. A gente mora perto, pelo menos, e eu sempre passava lá (na casa da vítima) para vê-la;, contou.
Conhecida em casa como Bê, a menina sabia que era adotada. Mesmo assim, segundo a mãe, nunca teve curiosidade de conhecer a mãe biológica. Estava satisfeita com a vida que levava. Segundo a operadora de máquinas, a mãe biológica e o avô consentiram a adoção. ;Quando a vi pela primeira vez, ela estava deitada no colchão. Peguei-a no colo, estava sujinha. Quando a mãe dela veio dar comida, ela não quis me largar. Depois disso, não nos separamos mais;, contou. O pai adotivo também se recorda da chegada da garota. ;Ela foi para levar felicidade, já não podíamos mais ter filhos. Mas Deus quis levá-la, e agora sinto essa tristeza;, lamentou Reginaldo.
DEPOIMENTO
;Homem sem sentimentos;
;Ao olhar para o lugar onde encontrei a minha filha morta, penso nas outras crianças, nos filhos dos vizinhos da Beatriz e nas que moram aqui em Sucupira, no Riacho Fundo 1, próximo à casa do assassino. Quantas será que ele não maltratou? Quem pode saber tudo o que ele fez? É um homem sem sentimentos. Se tivesse algo no coração, não teria feito o que fez. Desejo para ele, como um presente, que passe o resto da vida na cadeia. É um direito dele continuar preso e um direito meu e das outras pessoas não passarmos por isso novamente. Se ele sair, se a Justiça soltá-lo, ele vai matar de novo. Eu já tinha falado para a minha filha que não existia Papai Noel, para ela não cair na maldade dos outros, mas ela era muito dócil. Eu não dormi enquanto não soube o que aconteceu. E quando fiquei sabendo, acompanhei as buscas da polícia. Era a única forma que eu tinha de sentir que estava com a minha menina até o fim.;
Reginaldo Pereira do Nascimento, pai de Beatriz