Cidades

Moradores da 415 Norte impedem derrubada de árvore nativa da Amazônia

Luiz Calcagno
postado em 04/01/2012 07:20
Roseli Palissari, Eudes Queiroz, Dora Rezende, Murilo Queiroz e Leo Cabral usaram o corpo para evitar o corte do pau-de-balsa e criticaram os servidores
Os ânimos ficaram exaltados na manhã de ontem entre um grupo de moradores da 415 Norte e funcionários da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). A tensão foi provocada pela tentativa dos servidores de derrubarem um pau-de- balsa (Ochroma pyramidale) ; espécie nativa da Amazônia, com cerca de 10m de altura ;, plantado no início da construção de Brasília entre a escola classe da quadra e o Bloco G , ao lado uma área para prática de esportes. Os argumentos de que várias partes da árvore estão apodrecendo pelo ataque de fungos, de que o ciclo de vida está esgotado e de que há risco de queda não convenceram a comunidade. Várias pessoas cercaram a planta para defendê-la da motosserra dos servidores e estão dispostas a recorrer à Justiça para preservar a árvore. Apenas um galho do pau-de-balsa foi cortado.

Uma das moradoras chegou a discutir com um dos servidores. Ela ameaçou permanecer no local e avisou que, se a árvore fosse derrubada, seria atingida. Diante da resistência das pessoas, que acusaram os funcionários de agir com grosseria, a Novacap adiou para hoje a retirada da planta. Para a arquiteta Roseli Palissari, 48 anos, ;apesar da truculência, o maior desrespeito é querer derrubar a árvore sem procurar outra solução;. Segundo ela, os servidores apresentaram um laudo, mas desconsideraram que a árvore é a maior da quadra, que abriga pássaros e toda uma biodiversidade. ;Não tem outro caminho? Não dá para fazer uma escora?;, questionou a arquiteta, que avalia a decisão da Novacap como arbitrária. ;Eles não levam em conta a idade da espécime, a sua história e importância.;

Eudes Queiroz, 53 anos, síndico do Bloco G, sugeriu o recurso à Justiça, com pedido de liminar, para adiar a derrubada até que moradores e Novacap discutam uma solução para salvar o pau-de-balsa. ;Moro aqui desde 1994 e, sempre que pedimos para eles podarem algumas plantas, esperamos mais de seis meses. Aí, de repente, na semana de recesso, chegam sem falar com ninguém e querem arrancar uma árvore que nunca nos incomodou. Não vejo como ela representa um perigo tão grande;, ponderou.

A pequena Marina Agostini, 6 anos, chorou quando viu os funcionários da Novacap com motosserras cortando galhos da árvore. Ela mora há apenas um mês na quadra, mas brinca sob a sombra da planta quase todos os dias. No período de férias, com uma prima em casa, as raízes grossas do pau-de-balsa viraram espaço de aventura para as meninas. ;Não quero que cortem. Ela é linda. Faz sombra na minha casa todos os dias. Minha avó disse que ela é igual a mim;, lamentou. ;Achei um absurdo cortarem essa árvore. Minha filha ficou arrasada;, comentou a mãe, a estudante Camila Agostini, 23.

Responsabilidade
Segundo o chefe do Departamento de Parques e Jardins da Novacap, Rômulo Ervilha, uma podridão do tamanho de um braço no tronco principal condena a árvore. Ele explica que a Novacap não pode cortar um espécime sem um laudo de um engenheiro florestal que ateste o risco iminente de queda ou o comprometimento de fiações aéreas ou subterrâneas (leia O que diz a lei). ;A árvore está ao lado de uma escola. Se ela matar um estudante ou alguém que esteja passando pelo local, nós seremos responsáveis. Seremos processados por omissão. Além disso, nossos trabalhos são feitos mediante estudo de um profissional;, argumentou.

Ervilha disse ainda que uma escora não garante a permanência da árvore em pé. Segundo ele, o fungo ataca quando a árvore começa a morrer, e já está se multiplicando. O diretor se comprometeu a plantar outra árvore no lugar. ;Somos responsáveis pela arborização de Brasília. Nós plantamos essa árvore e outras todos os anos. As plantas têm um ciclo de vida e nós temos que fazer o remanejamento. O problema é que, quando dá uma chuva e uma árvore cai em cima de um carro, somos culpados porque não fizemos a poda ou o corte, e quando vamos fazer o trabalho, reclamam que estamos retirando o espécime;, afirmou.

O que diz a lei
O Decreto n; 14.783, de 17 de junho de 1993, regulamenta a poda, o corte e o remanejamento de árvores no Distrito Federal. Qualquer um dos trabalhos deve ser feito mediante um laudo produzido por engenheiros florestais. Além de responsabilizar a Novacap em caso de quedas já comunicadas pela população, dá poder à autarquia para, mediante laudo, arrancar ou remanejar espécies ou autorizar outra empresa regulamentada a fazê-lo, em caso de risco iminente de queda ou de danificação de fiações ou encanamentos, por exemplo. A norma também obriga a companhia, a cada corte, a plantar 30 novas mudas caso se trate de uma planta nativa, ou 10 se for uma espécie exótica. Ainda de acordo com o texto, o governo não pode cortar lenhosas nativas ou exóticas raras; de expressão histórica, beleza e raridade; em terrenos com declividade superior a 20%; e as localizadas em áreas de preservação permanente ou reserva ecológica. Outras 12 espécies também são tombadas e só podem ser retiradas em casos extremos: copaíba, sucupira-branca, pequi, cagaita, buriti, gomeira, pau-doce, aroeira, embiruçu, perobas, jacarandás e ipês.

Memória
2 de setembro de 2002
Morador da 416 Norte reclama de poda de árvores na quadra. Segundo ele, os funcionários do Departamento de Parques e Jardins da Novacap exageraram na hora de fazer o trabalho. Funcionários da autarquia cortaram galhos inteiros de árvores antigas. O órgão argumentou que a poda é necessária, mas que Brasília é uma das poucas cidades no mundo a evitarem os cortes estéticos, ou seja, deixar a árvore crescer de acordo com sua genética.

15 de julho de 2008
Moradores da 116 Sul criticaram a construção de Restaurantes de Unidades de Vizinhança (RUVs), previstos por Lucio Costa. O argumento: áreas verdes seriam destruídas para a construção das obras. Além disso, o trânsito nas quadras em horário comercial ficaria ainda mais complicado. O governo decidiu pelo verde.

5 de junho de 2009
Na 409/410 Norte, moradores reagem à decisão do governo de autorizar a construção de uma quadra de esportes em área verde. Para atender àqueles contrários à obra, que queriam conservar as árvores, o governo assumiu o compromisso de replantar todas as espécimes nas proximidades. A comunidade chegou a fazer uma votação para resolver o imbróglio.

Para saber mais
Espécie vive até 100 anos
O pau-de-balsa (Ochroma pyramidale), também conhecido como pau-de-jangada ou pata- de-lebre, oriunda da Região Amazônica, pode ser encontrada no sul do México, na Venezuela e na Bolívia. É uma das espécies de crescimento mais rápido do Brasil. Em dois anos, pode chegar a 7m de altura e, em seu habitat, alcança 30m, quando adulta, e pode viver cerca de 100 anos. Mas plantada em outro bioma, o tempo de vida cai à metade. O pau-de-balsa tem folhas grandes, que alcançam 35cm de comprimento. Normalmente, é utilizado no reflorestamento, devido ao bom retorno comercial. Entre maio e agosto, a árvore floresce e dá frutos em setembro e outubro. O nome popular revela as propriedades da madeira. É uma das mais leves entre as mais comercializadas. Fácil de manipular por ser macia, geralmente a madeira é usada na construção de embarcações, brinquedos e móveis. Chegou a ser usada na construção de aviões durante a Segunda Guerra Mundial. A árvore da 415 Sul, com pouco mais de 50 anos, tem um tronco com mais de 1,5m de diâmetro.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação