postado em 06/01/2012 16:31
A recuperação de adolescentes em conflito com a lei está longe de virar realidade. Os centros de internação do Distrito Federal estão superlotados, e a reincidência gira em torno de 80%. A causa disso não está apenas na falta de estrutura familiar, na desigualdade social e na ausência de lazer e emprego nas regiões onde moram. A baixa aplicação de recursos para o acompanhamento do adolescente antes de ele cometer atos infracionais mais graves, como roubos e assassinatos, também contribui para a situação. Medidas em meio aberto foram ignoradas na última década, sobretudo nos investimentos voltados para a liberdade assistida.
Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado à Câmara Distrital pelo Executivo destinou R$ 69.031 em 2009 para o atendimento, mas, desses, apenas R$ 778 foram autorizados e empenhados. Em 2010, o valor destinado foi de R$ 140.598, mas R$ 138.363,08 foram empenhados e R$ 80 mil, liquidados. Tudo usado na compra de material de consumo. Até outubro do ano passado, o investimento foi de R$ 249, conforme informações disponíveis no portal da Secretaria de Transparência e Controle do GDF.
No Distrito Federal, são 14 unidades de liberdade assistida, sendo que a maioria não conta com estrutura própria, ao contrário do que prevê o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (Sedh). Duas delas ocupam espaço da administração regional , duas estão em área alugada e as demais funcionam em estrutura da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest). O tamanho das salas não é suficiente para atender aqueles que chegam encaminhados pela Justiça.
Precariedade
Em Ceilândia, cidade mais populosa e com 606 adolescentes vinculados à liberdade assistida, apenas uma sala pequena, com mesa e duas cadeiras, é destinada para o trabalho da equipe de profissionais. Devido à falta de privacidade, o atendimento muitas vezes é feito do lado de fora da unidade, ao ar livre. Entre as dificuldades de prestar um serviço de qualidade, está a escassez de instrumentos como computadores e impressoras. Os servidores dispõem de dois computadores para 25 pessoas. Técnicos de outras unidades ainda levam o notebook pessoal para poder adiantar as atividades a serem desenvolvidas. Há, inclusive, deficiência de materiais de limpeza. A equipe do Correio foi impedida pela assessoria de imprensa da Secretaria da Criança de fotografar o espaço onde são feitos os atendimentos.
Em Brazlândia, a situação de espaço também não é favorável, com uma sala para atender 78 vinculados. O desnível do piso é propício para acidentes. Em Samambaia e no Recanto das Emas, os espaços pertencem à administração regional, mas a reportagem foi informada que, quando chove, as unidades ficam alagadas. Em Santa Maria, a situação é ainda pior. A unidade de liberdade assistida fica dentro do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e o espaço é alugado, mas o proprietário já pediu o terreno de volta e todos estão em situação de despejo. São oito servidores para trabalhar com adolescentes, sem contar com nenhuma sala para atendimento. Na Estrutural, não há unidade. Dos 117 jovens que deveriam ir ao Guará, apenas 65 têm comparecido (veja Quadro). Em uma tentativa de resgatá-los, os servidores precisam ir até a cidade para fazer o acompanhamento dentro do Conselho Tutelar.
Rafael*, 16 anos é um dos meninos em liberdade assistida, morador da Estrutural. O rapaz abandonou os estudos na 7; série e é difícil encontrá-lo em casa. Ele chegou a ser levado ao Caje quatro vezes desde os 12 anos, quando começou a praticar furtos no interior de carros nas ruas do Plano Piloto. ;Gastei todo o meu dinheiro tentando interná-lo para ver se muda, mas, até agora, nada. Quem sabe de tanto ser preso (apreendido) um dia ele desiste dessa vida, né?;, lamentou a mãe de Rafael, a babá Janete*, 41 anos. Preocupada com o filho, ela precisa tomar remédio controlado para dormir. ;Se o governo não der um emprego para ele, não sei o que vai acontecer. Quando meu filho vai para a cadeia, eu dou graças a Deus porque ele sairá vivo de lá, mas na rua eu penso que pode ser morto a qualquer hora;, desabafou.
Palavra de especialista
;Chegamos a visitar todos os núcleos de liberdade assistida e, nas nossas visitas, vimos que quase todos funcionam com muita precariedade social. O espaço é completamente inadequado para receber adolescentes. Não tem o mínimo de condições de fazer trabalhos individuais ou em grupo. As salas são cedidas por outros órgãos de administração pública e as políticas que precisariam funcionar para os adolescentes serem inseridos em outra vida ; como profissionalização e prática de outras atividades culturais, lazer e esporte ;, eles normalmente não conseguem ter. Quando estão cumprindo medida socioeducativa, negam a possibilidade de recebê-lo. As instâncias de governo e até o Judiciário não estão pensando na recepção desse público. Em relação à prestação de serviço comunitário, também é preciso mais engajamento da sociedade. É difícil estabelecer uma parceria para receber esses meninos. Os hospitais ficam esperando receber o Fernandinho Beiramar (traficante conhecido no país) e estigmatizam o adolescente. Devido à exclusão, muitas vezes o jovem acredita nesse potencial de criminoso ao ponto de entrar mesmo no crime. As autoridades focam o trabalho na internação desses adolescentes e se esquecem do meio aberto, que é mais capaz de promover mudanças na vida desses meninos.;
Vítor Alencar, diretor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca)
Balanço
Unidades de liberdade assistida no DF
Brasília
Vinculados - 105
Efetivos - 62
Brazlândia
Vinculados - 78
Efetivos - 42
Ceilândia
Vinculados - 606
Efetivos - 242
Gama
Vinculados - 150
Efetivos - 78
Guará
Vinculados - 117
Efetivos - 65
Núcleo Bandeirante
Vinculados - 124
Efetivos - 52
Paranoá
Vinculados - 147
Efetivos - 88
Samambaia
Vinculados - 262
Efetivos - 141
São Sebastião
Vinculados - 106
Efetivos - 73
Sobradinho
Vinculados - 104
Efetivos - 48
Taguatinga
Vinculados - 236
Efetivos - 120
Santa Maria
Vinculados - 164
Efetivos - 91
Total: 2.199 vinculados e 1.102 efetivos