Jornal Correio Braziliense

Cidades

Músico faz shows em seção de quimioterapia do HUB para amenizar sofrimentos

Pacientes de quimioterapia do HUB contam com um amigo que ajuda a amenizar o tratamento: o músico Alan Cruz, presente no local uma vez por semana


A plateia não é grande. No máximo 15 pessoas acompanham o show. Mesmo assim, o repertório é variado, para garantir a satisfação de todos os espectadores. Durante a apresentação, o músico Alan Cruz se realiza. O palco é a seção de quimioterapia do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O público, os pacientes e acompanhantes. Há dois anos Alan toca no local todas as quartas-feiras. Antes dele, outros músicos já fizeram com que os dias desse delicado e desgastante tratamento fossem menos doloridos.

;Ele conversa com a gente também. É muito simpático. Eu adoro o menino;, afirma Pilar Rubio, 70 anos, que se trata de um tumor no pulmão desde abril do ano passado. Não há previsão para o fim do tratamento, já que ela participa de uma pesquisa clínica com novas drogas. Por enquanto, a música tem surtido bom efeito, pelo menos para animá-la. ;É difícil, me sinto muito ansiosa, querendo que tudo acabe logo, mas isso não tem nada a ver com o ambiente;, garante. Dona Pilar é chilena e veio para o Brasil há 30 anos em busca de melhores condições de trabalho.

A filha dela, Pilar Soto, 43 anos, reforça o comentário sobre o trabalho de Alan Cruz: ;Deixa tudo mais agradável, animado, é um momento para eles relaxarem um pouco. A gente acaba até fazendo amizades;. Não só parentes compartilham a opinião. Enfermeiro da oncologia, Emílio Ribeiro trabalha no HUB há 29 anos, 16 deles na quimioterapia. Como ele mesmo diz, abraçou a área. ;A música tem valido muito a pena. Os pacientes gostam muito, elogiam, participam, cantam. O astral deles melhora também, porque eles esquecem os efeitos dos remédios;, enumera.

Reconhecimento
Além do benefício obtido dentro do hospital, Emílio vê reconhecimento fora da instituição. ;É uma satisfação. A gente recebe agradecimento de parentes, dos próprios pacientes que se curam. Eles dizem não querer voltar, é claro, mas avaliam que não haveria lugar melhor para o tratamento;, lembra. Ele mostra com carinho um cartão entregue pela filha de Iglehart Glenda Curpievsky ; uma das pacientes mais queridas de Emílio, falecida em 3 de outubro de 2011 ; em que ela agradece a forma como foi tratada no local.

Uma das mais entusiasmadas é Deuzani Ribeiro da Silva, 38 anos. Em agosto de 2010, depois de sentir muitas dores abdominais, ela descobriu um tumor que alcançava ovário e útero. Os médicos desconfiaram de gravidez e infecção urinária. Quando encontraram o tumor, Deuzani foi internada e passou 42 dias no hospital. Ao receber o diagnóstico, chorou. ;Meu marido também não recebeu bem a notícia e se desesperou. Mas eu disse a ele que não choraria mais por essa doença. A gente vence outros cânceres na vida, às vezes até piores.;

Deuzani já foi desenganada pelos médicos duas vezes. Diante da recomendação para retirar o tumor, soube que teria 2% de chance de sair viva do centro cirúrgico e duas semanas de vida caso optasse por não fazer a cirurgia. Fez a operação e, dois dias depois, estava bem. Acredita estar viva pela fé que dedica a Deus. No começo do ano passado, entretanto, descobriu outros tumores e retomou o tratamento. ;Às vezes, a gente chega aqui pensando em vários problemas, angustiada com o que acontece lá fora. Quando tem música, dá pra esquecer um pouco tudo isso. Se ele canta uma canção que fala das coisas boas da vida, faz a gente voltar a pensar naquilo que temos de bom.;

Parceria
O projeto começou por meio de uma parceria com o laboratório Sabin. Sócia e diretora técnica do laboratório, Sandra Soares Costa explica que a empresa tem 14 músicos contratados. ;Já tínhamos vários trabalhos sociais. A gente sabe o poder da música. Ela faz com que o ambiente fique mais acolhedor e humano. Esse é o nosso propósito nos espaços de saúde, justamente porque a pessoa já está mais fragilizada.; O projeto existe há mais de cinco anos.

A Associação dos Voluntários do HUB entrou em contato com o laboratório pedindo um músico para o projeto. Alan Cruz foi contatado e, na mesma hora, aceitou. ;Sou de uma cidade do interior da Bahia e venho de uma família de músicos. Desde meus 9 anos, meu pai me incentivava a tocar. A partir da minha primeira comunhão, comecei a cantar na igreja;, conta. Ele participava de grupos que percorriam as casas de pessoas doentes.

Alan explica que uma assistente social aposentada o viu tocando em um desses grupos e convidou-o a vir para Brasília e fazer parte de um projeto em escolas em troca de cursos de música. ;Eu me estabilizei na cidade, com o curso e um emprego, mas estava precisando de algo como o HUB na minha vida. Quando começo a tocar e vejo que faço diferença na vida das pessoas com a minha arte, é como se fosse uma bateria extra, aquilo me dá forças.;

O músico encontrou outros baianos no projeto. Entre eles, a empregada doméstica Jucélia Ferreira Dias, 26 anos. Ela descobriu que tinha câncer de mama em 2010. ;Morava na roça, em Santa Rita de Cássia. Lá, eu não estava conseguindo marcar os exames para começar o tratamento. Já tinha um irmão que morava aqui e ele me chamou pra vir.; Ela deixou as duas filhas, de 7 e 3 anos, com uma tia na cidade natal. ;É muito bom quando tem música. Quando ele não está, a gente fica triste, pensando nos problemas ou mesmo só dormindo. Nos dias de música, eu fico ouvindo e também canto. Se pudesse escolher, só viria na quarta-feira;, comenta Jucélia, que decidiu se mudar definitivamente para Brasília.