postado em 09/01/2012 07:01
Em pouco mais de cinco décadas, Brasília deixou de ser uma cidade planejada e passou a abrigar 36 favelas. Hoje, 5,1% da população da capital federal ; 133.556 brasilienses ; vive em loteamentos de baixa renda. O levantamento do IBGE comprovou o que os moradores dessas áreas já sabiam: nas invasões carentes do rico Distrito Federal, falta infraestrutura e sobram problemas. Em Ceilândia, Planaltina, Sobradinho ou bem próximo ao Plano Piloto, como na Vila Estrutural, a pobreza está estampada nas paredes dos barracos de madeira ou nas casas simples de alvenaria. O governo promete urbanizar essas áreas, mas os relatos dos moradores mostram que esse ainda é um sonho distante.A doméstica Márcia Pereira da Silva, 31 anos, vive na favela da Vila Rabelo há seis. Na sua extensa lista de reclamações, há espaço para queixas sobre transporte, segurança, saúde e educação. ;Isso aqui está esquecido pelo governo. É raro conseguir pegar um ônibus e, quando passa, vem completamente lotado. A violência é muito grande e a gente não consegue nem andar direito na rua porque é muito comum a fossa estourar. Quando isso acontece, é um perigo para as crianças, que podem ficar doentes;, resume a doméstica.
O levantamento do IBGE, concluído em dezembro, é inédito. Essa é a primeira vez que o instituto faz um trabalho tão detalhado sobre as favelas do Brasil. O estudo deverá servir de base para o planejamento de políticas públicas em todo o país. A supervisora de Informações do IBGE no DF, Sônia Baena, explica que o órgão observou uma série de fatores para classificar um loteamento como favela. ;São áreas carentes, sem a oferta de serviços públicos essenciais. As pessoas ocupam terrenos de propriedade alheia, de forma desordenada;, explica a especialista.
A supervisora do IBGE conta que o levantamento representa avanços, especialmente na metodologia usada. ;Houve melhorias na identificação dessas áreas, com uso de imagens de satélites. Além disso, o instituto pesquisou as legislações municipais e distritais, para saber quais regiões são classificadas como áreas de relevante interesse social;, comenta Sônia Baena. Para ela, um dado chama a atenção entre as 36 favelas de Brasília. ;A maioria desses aglomerados é grande, além de muito densa;, acrescenta a supervisora de Informações do IBGE.
Segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o processo de favelização das cidades brasileiras começou por conta da migração de um grande fluxo de pessoas do campo para as regiões metropolitanas. Sem acesso a moradia e desempregados, esses cidadãos começaram a ocupar espaços com nenhuma urbanização. As favelas começaram a ser estudadas pelo IBGE durante a realização do Censo de 1991.
O estudo do IBGE destaca as dificuldades de viver em um loteamento de baixa renda. ;O tamanho e a densidade dessas áreas interferem na qualidade de vida da população, pois, quanto mais densa a área, mais críticas são a acessibilidade, a circulação de ar e a insolação;, diz um trecho do levantamento, assinado pela presidente do instituto, Wasmália Bivar. Segundo a pesquisa, nas favelas construídas mais recentemente há uma maior distância entre as construções.
Como estão em terrenos irregulares, fica ainda mais difícil providenciar a infraestrutura desses locais. Em Planaltina, por exemplo, os loteamentos estão em terras particulares e é preciso conseguir o aval dos proprietários para fazer obras de benfeitorias. O secretário de Regularização, Desenvolvimento Urbano e Habitação, Geraldo Magela, diz que os técnicos da pasta fazem levantamentos periódicos de áreas para a construção de equipamentos públicos. Quando identificam um local onde é possível fazer obras, eles passam as indicações para a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), que avalia a possibilidade de autorizar a cessão do lote em caráter precário ; nos casos em que os imóveis ainda não foram registrados em cartório. Isso só vale para as terras de propriedade do GDF. ;A irregularidade fundiária limita os investimentos. Tivemos que fazer uma grande negociação para conseguir um terreno na Estrutural, para a construção de um fórum na cidade;, conta Geraldo Magela.
[SAIBAMAIS]Morador do Setor Pôr do Sol há uma década, o pedreiro Givaldo Saraiva de Souza, 57 anos, diz que a implantação de obras públicas está muito lenta. ;Vivo aqui há 10 anos e pouco mudou de lá para cá. Continuamos com os mesmos problemas de falta de transporte e de segurança. Como não temos asfalto, os ônibus evitam passar pela área e a gente tem que andar muito para conseguir transporte;, queixa-se.
A presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Ivelise Longhi, constatou a dificuldade de fazer melhorias em terras irregulares durante a realização das pesquisas distritais por amostra de domicílios. Os técnicos perceberam que, em alguns locais, a infraestrutura era muito deficiente. ;Perdemos muitos investimentos, inclusive da área federal, por conta da irregularidade das terras do Distrito Federal;, comenta.
Migração
A doação indiscriminada de lotes e a migração de pessoas para Brasília em busca de moradia são algumas das causas da rápida favelização do Distrito Federal. O especialista em habitação Márcio Buzar, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, diz que a corrida por terrenos da década de 1990 é uma das principais explicações para esse fenômeno. ;Houve a oferta indiscriminada de lotes, sem a criação de indústrias e de empregos. Com isso, surgiram as moradias precárias;, explica o especialista.
Para Márcio Buzar, houve descuido com as terras públicas. ;O Estado foi ausente quando precisava criar moradia de interesse social. Com o crescimento dessas favelas, aumentam problemas como a violência, o desemprego e a falta de transportes;, comenta o professor da UnB. ;Se quiser evitar o surgimento de novos loteamentos irregulares de classe baixa, o GDF terá que cuidar de suas terras, além de prover habitação de interesse social;, finaliza o especialista.
Pesquisa
Os dados do censo foram coletados entre agosto e outubro de 2010. Os recenseadores visitaram as residências, divididas em 316 mil setores censitários, e fizeram as entrevistas presenciais. As respostas foram registradas em computadores de mão.