Cidades

Centenas se despediram da diretora da Biblioteca Demonstrativa de Brasília

Irlam Rocha Lima
postado em 09/01/2012 07:46
O dia amanheceu em ritmo de chorinho e de bossa nova no Cemitério Campo da Esperança. O adeus à diretora da Biblioteca Demonstrativa de Brasília (BDB), Maria da Conceição Moreira Salles, 65 anos, reuniu centenas de amigos, familiares e antigos parceiros que a ajudaram na promoção de eventos culturais no Distrito Federal. ;Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz;, entoaram os versos de Gonzaguinha os integrantes do Clube do Choro, que levaram os instrumentos e capricharam no repertório para alegrar a última homenagem à amiga.

A capela do Cemitério Campo da Esperança ficou pequena para tanta gente que se despediu e homenageou Conceição, como era conhecida. Além da música, a cerimônia ficou marcada pela emoção. Estavam presentes a todo instante as lembranças da mineira de Santo Hipólito. Ela chegou a Brasília acompanhada da mãe, que morreu quando Conceição tinha 19 anos. Por sugestão da matriarca, cursou biblioteconomia. Fez parte da primeira turma do curso na Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em vários locais até assumir a BDB, onde ficou 28 anos.

Emoção e homenagem na despedida da mulher que dedicou a vida à cultura do Distrito Federal

Conceição não se queixava de nenhum problema grave de saúde, mas na última quarta-feira foi hospitalizada e diagnosticada com um derrame pleural ; acúmulo de líquido no tecido que reveste os pulmões. Conceição morreu de parada cardíaca, dois dias antes da previsão de alta.

Matilde Bezerra Passos, 65 anos, trabalhou com Conceição por 25 anos. Ela restaura livros na BDB. ;Não sabemos como vai ser a partir de agora. A estrutura do nosso trabalho estava nela. O nosso único objetivo será o de lutar diariamente para manter o mesmo espírito que ela tinha para construir um ambiente prazeroso e de aprendizado;, conta. Companheira de momentos bons e ruins, Matilde lembra que Conceição sempre inspirou pela força e pela dedicação. A diretora da biblioteca não era casada nem tinha filhos. Morava na Asa Norte.

Conceição, contam os amigos, considerava-se brasiliense. Adotou a capital federal. No ano passado, ela aceitou o convite para receber o título de cidadã honorária de Brasília na Câmara Legislativa. Mas estabeleceu uma única exigência: ser agraciada no Dia do Bibliotecário, em 12 de março. No entanto, partiu antes de ser homenageada.

Projetos

Apesar de identificada diretamente com a BDB, Conceição estabeleceu contatos em outras áreas da cultura no DF. ;Ela não se fechou só no mundo da biblioteca, não limitou o seu trabalho. Ela partiu da biblioteca para contemplar o mundo e foi semeando sementes. Que outros se mirem nela;, afirmou o presidente do Clube do Choro de Brasília, Henrique Lima Santos Filho, o Reco do Bandolim. Os dois eram amigos havia décadas. E ele tocou durante o velório.

Além disso, havia na agenda da BDB espaço para a música, com projetos como a Quinta Sonora (concertos musicais didáticos); o Tele-idoso (levava obras aos mais velhos com dificuldades de locomoção); o Tira Dúvidas (professores voluntários à disposição na biblioteca); e o encontro de senhoras. Ela também se envolveu na criação da Biblioteca da Papuda e da Biblioteca de Braile.

[SAIBAMAIS]O bandolinista Hamilton de Holanda teve em Conceição uma grande parceira num bem-sucedido projeto desenvolvido entre 2002 e o ano passado, com renda destinada à Associação Brasileira de Assistência às Famílias (Abrace). A diretora da BDB demonstrou o amor à causa ao pedir alta da internação de um hospital, onde estava em tratamento de pneumonia, para dedicar-se ao evento, do qual era a produtora. ;Me impressionava a capacidade de trabalho da Conceição e a maneira como ela se empenhava para que o show viesse a ter êxito, cuidando de todos os detalhes pessoalmente;, conta. ;Conceição tornou-se uma querida amiga da minha família, dos meus pais, da minha mulher e dos meus filhos.;

De Conceição, o violonista Fernando César vai guardar muitas lembranças agradáveis. ;Ela começava a pensar no show que fazíamos em dezembro, meses antes. Atenta a todos os detalhes, participava de todas as etapas, cuidando desde a divulgação até a preparação do lanche a ser servido no camarim. Além disso, estava à frente de outros projetos ligados à Biblioteca Demonstrativa, como o Bibliomúsica, que abre espaço para artistas da cidade. Ela vai fazer muita falta para a cultura de Brasília;, diz.

Com César, faz coro o pai dele, o também violonista José Américo: ;Com a morte de Conceição, a música e as artes na capital tiveram uma perda imensa. O projeto que ela desenvolveu com os meus filhos é de grande importância. Vamos nos juntar para mantê-lo vivo. Agora, em homenagem a ela;, revela.

Conceição, eu me lembro muito bem...

Naquele tempo não havia Google. O acesso a livros e revistas de medicina era aleatório, imprevisível, difícil. Quem salvava os residentes era a Conceição. ;Olha, chegou o livro que você estava procurando;; ;Já chegou a revista!”, dizia, entusiasmada, como quem anuncia um tesouro. Tirava xerox dos artigos mais interessantes e colava no mural.

Nos tempos do (Hospital) Sarah, eu fazia um jornalzinho chapa quente, e Conceição digitava e formatava os textos na máquina de escrever elétrica. Era exímia datilógrafa, paciente e incansável, cheia das ideias, que gostava de compartilhar, com aquele sorriso largo e fácil. No intervalo do almoço, jogava vôlei. Muito alta e animada, era a alma do time.

Na Biblioteca Demonstrativa, expandiu o seu trabalho à comunidade; com sua onipresença, movia céus e terra para dar um realce às atividades da biblioteca, que iam além dos livros e viravam música, encontros, exposições, brincadeiras. Conceição estava em todas, alto astral, prestando alto serviço a todos que procuravam a biblioteca.

Conceição: uma lágrima, uma flor, uma saudade. Conceição, eu me lembro muito bem!

Thelma B. Oliveira, pediatra e amiga

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