postado em 09/01/2012 07:37
Elas enfrentaram o preconceito, ocuparam espaços importantes, mas continuam longe de serem tratadas em pé de igualdade no mercado de trabalho. Ser mulher torna mais difícil a conquista de uma vaga. Apesar do festejado crescimento da participação feminina no total de ocupados, a diferença da taxa de desemprego entre homens e mulheres no Distrito Federal ficou ainda maior nos últimos 20 anos. Não bastasse a discrepância no acesso às oportunidades, quando elas, enfim, conseguem uma chance, ganham menos que os homens, mesmo quando exercem a mesma função.Desde o início da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), em 1992, os índices associados às mulheres são os mais preocupantes. Naquele ano, o percentual de desocupadas na capital do país era de 17,4%, 3,8 pontos percentuais a mais em relação ao dos homens. Em 2011, recuou para 15,7%. Em contrapartida, passou a ser 5,5 pontos percentuais superior (veja quadro). Com a taxa de desemprego feminina caindo em ritmo bem mais lento do que a masculina, projeções feitas pelo economista Júlio Miragaya a pedido do Correio indicam que nunca os índices chegariam a se igualar.
O hiato salarial entre homens e mulheres diminuiu, no mesmo período analisado, de 32% para 27%. A queda, no entanto, não resolve o problema da desigualdade. Mantido o cenário das duas últimas décadas, as brasilienses só teriam um rendimento médio semelhante ao dos homens daqui a 81 anos, ou seja, em 2093. ;Apesar dos avanços, prevalece a ideia de que a mulher tem de ocupar papel coadjuvante em casa e também no mercado de trabalho;, comenta o sociólogo e analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Daniel Biagioni.
Disparidade
Ainda que as mulheres continuem sendo minoria entre os ocupados da capital federal, os números confirmam maior participação delas no mercado de trabalho: em 2011, representavam 46,9% do total, contra 43,4%, em 1992. A disparidade de salário persiste ; e deve seguir assim ;, segundo os especialistas, porque há uma inserção seletiva. As conquistas das brasilienses se mantêm, em geral, relacionadas a ocupações com remuneração abaixo da média. Elas compõem, por exemplo, 96% da mão de obra dos serviços domésticos.
[SAIBAMAIS]Maria Helena Xavier da Cunha, 36 anos, concluiu o ensino médio a muito custo. Mas, ao contrário do que imaginava, o nível de escolaridade não a livrou do desemprego. São 16 viradas de ano à espera de um ;sim;. A cada dia, fica mais difícil cuidar das três filhas, sozinha. ;O pai? Boa pergunta. Também queria saber;, diz a chefe da família. O estágio da mais velha, Ana Beatriz, 17 anos, acabou há um mês e a única renda da casa voltou ser os R$ 150 de um programa social. Vez ou outra, conta Maria Helena, ;Deus manda alguém entregar uma cesta básica;.
As contas estão atrasadas. Só de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), somam-se mais de R$ 2 mil em débitos. A mãe não consegue passar da primeira parcela. Na casa de alvenaria inacabada em um setor sem asfalto do Recanto das Emas, em um terreno doado pelo governo, a família sobrevive. ;Tivemos que aprender a viver com o que temos. Às vezes, uma das meninas pede para comer alguma coisa diferente e tenho que dizer: ;Hoje, não dá, filha;. Não é fácil, mas digo para Deus todo dia que não quero ficar me lamentando, sabe?;, comenta.
Em todo esse tempo em busca de oportunidade, Maria Helena não conseguiu mais do que alguns bicos como faxineira em apartamentos do Sudoeste, da Asa Norte e do Guará. Surpreendeu os selecionadores ao tentar uma vaga em cursos profissionalizantes para atuar na construção civil. Como percebeu maior oferta de emprego em obras, estava disposta a aprender o ofício geralmente masculino. Não teve sucesso. ;Foi machismo mesmo. Só que, se eles avaliassem direito, iriam perceber que o trabalho da mulher é muito mais bem feito;, defende.
Por mais que se apresentem outras explicações para o fosso entre homens e mulheres no mercado de trabalho, a professora de antropologia da Universidade de Brasília (UnB) Lia Zanotta Machado sustenta: ;A discriminação é a grande responsável;. O imaginário negativo em torno da mulher, justifica ela, ainda prevalece sobre a realidade. Para a especialista em direitos femininos, os empregadores partem do princípio de que as mulheres não dependem tanto da vaga quanto os homens. ;Esses números mostram que elas batem à porta, mas têm dificuldade de serem aceitas;, analisa.
Maternidade virou defeito feminino
A segmentação do mercado de trabalho pelo gênero detalhada pelos números da PED comprova, na avaliação de especialistas, a resistência de empregadores em selecionar mulheres. A licença-maternidade e mesmo a sensibilidade feminina podem ser levadas em conta na decisão. ;Eles avaliam que a mulher pode ter um filho atrás do outro, tem TPM, chora, passa mal, e tudo isso é visto como coisas negativas. Já o imaginário relacionado aos homens, encarados como brigões e que podem chegar atrasados porque foram beber, parece não incomodar;, compara Lia Zanotta Machado.
O marido de Kátia Oliveira é pedreiro. O percurso diário do chefe da família, de Samambaia até a obra em que trabalha, no caminho de Unaí (MG), rende R$ 1 mil por mês para o sustento da casa. Kátia procura serviço há três anos. Nesse período, participou de algumas seleções para balconista ou auxiliar de serviços gerais, mas parou na fase das entrevistas individuais. ;Quando falo que tenho três filhos, eles perguntam a idade deles, querem saber se eu largaria o trabalho se os meninos adoecessem, essas coisas. Preconceito besta;, conta.
Para o companheiro ganhar uma oportunidade, observa Kátia, basta ele mostrar ao empregador que sabe levantar uma parede. ;Já eu, quando tento trabalhar na casa de alguém, é uma desconfiança incrível. As patroas pedem referência a Deus e o mundo;, diferencia. Passar o dia sem trabalho, cuidando das coisas de casa e dos filhos de 16, 15 e 6 anos, não é o que essa brasiliense sempre sonhou. ;Queria nem que fosse varrer rua. Enquanto não aparece qualquer coisa, areio minhas panelas, mexo no jardim. Melhor do que ficar falando da vida alheia com os vizinhos;, afirma.
Kátia não concluiu o ensino fundamental. Porém, mesmo com um nível de escolaridade melhor, continuaria com dificuldade de entrar no mercado, segundo o economista Júlio Miragaya. Ele observa que a oferta de postos de trabalho do DF não tem conseguido suprir a qualificação feminina. ;Mais uma vez, esbarramos no pouco dinamismo da economia local. Fora do funcionalismo, as vagas oferecidas são precárias;, explica o diretor de Gestão de Informações da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) e presidente do Instituto Brasiliense de Estudos da Economia Regional (Ibrase). (DA)
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