Cidades

Motoristas que causaram acidentes ao usarem celular sofrem punições severas

Magistrados do DF e de Santa Catarina aplicaram penalidades como pagamento de indenização e suspensão de benefícios trabalhistas

postado em 14/01/2012 08:00
Flagrante de irresponsabilidade na Avenida W3 Norte: motorista tira as duas mãos do volante ao falar ao telefone celular
A infração de dirigir e usar o celular ao volante vai agora além da multa de R$ 127,69 e dos quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Duas decisões judiciais recentes aplicaram penalidades severas aos condutores flagrados em desrespeito ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Na primeira delas, a 6; Vara Cível do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) condenou um motorista a pagar indenização de R$ 4 mil após provocar um acidente falando ao telefone. Cacos de vidro entraram no olho esquerdo da vítima, que perdeu a visão. Em Santa Catarina, a 1; Turma do Tribunal Superior do Trabalho estadual eximiu os empregadores de pagar verbas rescisórias a um trabalhador demitido ao ser flagrado com celular no trânsito.

A decisão da Justiça de Brasília foi publicada no último dia 9. A colisão ocorreu na Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia). Na sentença, o juiz Aiston Henrique de Sousa avaliou que ;o condutor deixou de tomar as cautelas necessárias e, sem se atentar para as condições do trânsito, ingressou na via, atravessando as três faixas em velocidade de 40km/h, incompatível com a velocidade normalmente desenvolvida, provocando a colisão;.

Laudos apresentados pelos advogados de defesa atestaram a incapacidade definitiva da vítima para continuar na profissão de motorista de ônibus, função exercida durante muitos anos. Pelos danos físicos e morais, o magistrado determinou ainda o pagamento de indenização de 20% do salário mínimo até o ex-condutor de coletivo completar 73 anos ; ele tem hoje 40. ;O meu cliente teve sequela psicológica. Ele está depressivo e não aceita a condição de cego. É uma decisão inédita e tem caráter educativo;, avaliou o advogado do autor da ação, Francisco Jacinto Júnior.

O defensor estuda ainda recorrer dos valores referentes à indenização, uma vez que a quantia a ser paga pelo réu não chegará a R$ 140 mensais. ;É muito pouco. Antes, ele (a vítima) tinha emprego e ganhava cerca de R$ 1,2 mil. Agora, no entanto, recebe metade do INSS para sustentar a família de quatro pessoas;, destacou.

Em Santa Catarina, o ministro Luiz Philippe Vieira, do TST, destacou a necessidade de punir severamente quem insiste em desobedecer às leis de trânsito. Câmeras instaladas no interior do ônibus flagraram o motorista do transporte público dirigindo sem o cinto de segurança e falando ao celular, infrações consideradas grave e média, respectivamente, pela legislação brasileira. Na ação trabalhista, o condutor acabou demitido e não teve direito a receber os benefícios da rescisão de contrato. Perdeu o aviso-prévio e a indenização compensatória de 40% do Fundo de Serviço do Tempo de Serviço (FGTS).

Flagrantes
O Correio constatou o desrespeito por parte dos condutores do DF. Em frente ao Shopping Pátio Brasil, na W3 Norte, 100 motoristas foram flagrados pela reportagem ao celular em uma hora e meia. A média é de um condutor por minuto a infringir o artigo 252 do CTB. Alguns motoristas fotografados desligaram imediatamente o telefone, mas outros nem perceberam a presença da equipe ou pouco se importaram com as imagens. Na via em frente à Praça do Relógio, em Taguatinga, as cenas se repetem.

Na semana passada, Manoel da Cruz Oliveira, 42 anos, recebeu a primeira multa por conta da imprudência, no Recanto das Emas. ;O celular tira a atenção da gente. Atendo porque pode ser uma emergência;, alegou. Manoel admitiu que não consegue prestar atenção no trânsito quando recebe uma ligação. ;Às vezes, eu esqueço o percurso que eu deveria fazer. É um perigo;, afirmou.

A aposentada Sônia Maria Vasconcelos, 60 anos, também revelou que usa o aparelho enquanto está ao volante. ;Se eu disser que nunca fiz isso eu estarei mentindo, mas foram poucas as vezes. Para ser franca, eu acho que dirigir e falar ao celular não combina;, contou.

No primeiro semestre de 2011, o Departamento de Trânsito (Detran) registrou 24.051 infrações dessa natureza. No ano anterior, 43.848 motoristas foram multados ao descumprir a lei. Para o diretor de Policiamento e Fiscalização do órgão, Nelson Leite Junior, os condutores precisam de mais consciência. ;Eles têm uma falsa sensação de que o celular não atrapalha a condução do veículo. Não dá para fazer uma conversão só com uma das mãos, por exemplo;, destacou.

O CTB também proíbe o uso de fone de ouvido. ;Quem dirige usa todos os sentidos. Esse dispositivo dificulta o motorista de escutar a sirene de uma ambulância, o barulho de uma moto ou a buzina de alerta. Toda a atenção no trânsito é necessária e uma fração de segundos é suficiente para causar acidentes;, alertou Nelson Leite.

Mulher que dirige carro com o logotipo do governo federal repete o desrespeito às leis de trânsito

Ferrari apreendida
O Departamento de Trânsito (Detran) guinchou, na quinta-feira, uma Ferrari na QI 17 do Lago Sul. O carro de luxo estava estacionado em uma vaga destinada a idosos, próximo ao comércio local. Além de parado ilegalmente, segundo a assessoria de imprensa do Detran, o veículo não estava emplacado. Policiais militares fizeram o flagrante de desrespeito ao Código de Trânsito Brasileiro e solicitaram o reboque. O Detran não soube informar, no entanto, se o proprietário da Ferrari apreendida já havia retirado o automóvel do depósito.

Perigo

Total de infrações nos últimos três anos:
2009 - 29.242
2010 - 43.848
2011 - 24.051*
* De janeiro a junho.

Fonte: Departamento de Trânsito (Detran)


Povo fala

Você acredita que falar ao celular ao volante coloca em risco motoristas e pedestres?

Orlando Silva,
24 anos, autônomo, morador da Estrutural

;É errado dirigir e falar ao mesmo tempo no celular. A pessoa fica desconcentrada. O ideal seria encostar o carro e retornar a ligação depois, mas quase ninguém faz isso. É um risco muito grande de causar acidentes e de ferir alguém.;
Magistrados do DF e de Santa Catarina aplicaram penalidades como pagamento de indenização e suspensão de benefícios trabalhistas
Marta Lopes Porto,
40 anos, auxiliar de cozinha, moradora de Luziânia (GO)

;Quem fala ao celular e dirige ao mesmo tempo não está completamente ligado no trânsito. Já vi uma batida em um semáforo por causa disso. O sinal fechou, e o cara que estava no celular acabou batendo na traseira do outro carro.;

Claudiano Cavalcante,
39 anos, militar, morador de Taguatinga

;Eu acho errado dirigir e falar ao telefone porque o motorista perde a atenção. Quando o telefone toca e eu estou dirigindo, costumo não atender. Só atendo se for alguém da família, mas o certo é não falar nunca.;

Silvana Ferreira,
27 anos, administradora, moradora de Águas Lindas

;Não acho correto dirigir falando ao celular. Lá em casa, ninguém faz isso porque há sete anos o meu irmão capotou o carro falando ao telefone. A gente ficou meio traumatizado e até o rádio não costumamos ligar para não perder a concentração.;

Palavra de especialista

Um segundo é suficiente

;Um momento de descuido é suficiente para causar um acidente. Se o motorista estiver a 80km por hora, em um segundo, ele anda 20 metros. Isso é suficiente para alguém atravessar a pista ou um motorista entrar na frente e provocar um acidente. Quando se dirige com apenas uma mão ao volante, o motorista não consegue dar seta e mudar de faixa. Ele pode até estar prestando atenção, mas ou ele faz a conversão ou avisa aos condutores que vai entrar. Em um segundo, ele ainda pode se deparar com um buraco na pista e, daí, ele não terá tempo de reação. Alguns ainda usam o telefone para ler ou para responder uma mensagem que acabaram de receber. Isso é muito pior. Chega a ser criminoso. As pessoas procuram desculpas para atender ao celular, dizendo que é alguém da família e pode ser urgente, mas esquecem que naquele segundo que elas atenderem o telefone não poderão salvar o mundo, mas poderão provocar um acidente. Se for o caso de atender ou retornar a ligação, o mais seguro é encostar o carro.;

Artur Morais, é especialista em trânsito e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB)

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