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Há exatos dois meses, um acidente de ônibus manchou de sangue o Km 32 da Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, via de ligação entre as cidades paulistas de Taubaté e Campos do Jordão. Morreram 10 dos 48 passageiros, a maioria moradores da cidade goiana de Santo Antônio do Descoberto, a 50km de Brasília. O motorista do coletivo teria perdido o controle do freio, batido em uma mureta e tombado na pista.
O laudo pericial elaborado pelo Instituto de Criminalística de Taubaté revelou, no entanto, que o veículo apresentava uma série de comprometimentos mecânicos, relacionados à frenagem, antes de bater. E constatou: uma das peças de vital importância para o sistema de freio acabou desconectada ;criminosamente; após a batida, a fim de tentar induzir os peritos a concluir se tratar de uma fatalidade e, não, negligência da empresa responsável pela excursão à cidade paulista de Aparecida (leia Para saber mais).
O documento chegou à Delegacia de Polícia de Pindamonhagaba, responsável pelo inquérito, em 14 de dezembro. O parecer aponta que a peça niple, que une os canos e impede o vazamento de óleo do freio, acabou desenroscado após o acidente. O laudo diz que o item foi ;desconectado criminosamente para tentar induzir este relatório ao engano;, sugerindo que um defeito inesperado teria causado a perda do freio. Ocorre que o niple é fabricado para responder bem à pressão.
A lona do lado direito ; também conhecida como pastilha de freio ; estaria bastante desgastada e deveria ter sido trocada antes da viagem. Os peritos constataram que a falta de um parafuso na hélice do radiador poderia estar causando o superaquecimento do motor, sendo capaz de fundi-lo. Por fim, não foi possível cravar a velocidade do ônibus no momento do acidente, pois o disco do tacógrafo, que registra em uma espiral toda a variação dela, foi reutilizado. As marcações, assim, são imprecisas.
Com o laudo em mãos, a polícia deve questionar os responsáveis pela excursão sobre as irregularidades que contribuíram para o acidente. Policiais civis de Pindamonhagaba ainda não ouviram todos os envolvidos, mas encaminharam cartas precatórias para que as famílias das vítimas sejam ouvidas em Santo Antônio do Descoberto. Ainda que o inquérito não esteja concluído, o laudo pode complicar a situação de Isaque Correia de Almeida, motorista do ônibus e um dos sócios da empresa dona do veículo, a El Shaday; e de Edmilson dos Santos, o Dikas, dono da Ldtur, agência de viagem que organizou a excursão e locou o veículo por cerca de R$ 6 mil.
Isaque disse ao Correio não ter conhecimento de qualquer manipulação no ônibus após o acidente. Ele disse ainda que o coletivo estava em boas condições e passou por todas as vistorias de segurança. Passageiros contaram à reportagem que em pelo menos uma ocasião o carro apresentou problemas no freio e travou em uma manobra de ré em Campos do Jordão. Isaque, que fez todo o percurso com a carteira de motorista vencida, nega. ;Rodamos mil quilômetros, sem problemas. Pode perguntar a qualquer passageiro;, insistiu.
Pedido negado
A Ldtur recebeu de cada um dos 48 passageiros R$ 490 para a viagem de três dias, que saiu de Santo Antônio do Descoberto. Na cidade paulista, os devotos visitaram o santuário da padroeira do Brasil. O pacote incluía hospedagem e translado de ônibus. Mas o veículo da empresa El Shaday, alugado por Dikas, estava longe de ser um modelo de segurança. Para começar, o motorista Isaque estava com a habilitação vencida. A empresa havia requerido à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a permissão para fazer viagens interestaduais de passageiros, mas teve o pedido negado.
Ainda assim, o coletivo se manteve no pacote. E na primeira parada na estrada, no posto da Polícia Rodoviária Federal da BR-060, em Valparaíso (GO), a fiscalização flagrou irregularidades, multou a empresa em R$ 4.913,20 pela falta da autorização de viagem e determinou a volta para Santo Antônio do Descoberto. A El Shaday e a Ldtur deveriam providenciar um veículos substituto, mas isso não aconteceu. O condutor alega ter tentado contato com várias companhias de turismo de Brasília, mas não conseguiu outro meio de transporte.
A Ldtur tampouco resolveu o problema e, em vez de cancelar a excursão e reembolsar os devotos, determinou que Isaque e o grupo seguissem no mesmo veículo. O Correio tentou entrar em contato com Dikas diversas vezes, mas os dois telefones de contato do empresário e funcionário da Prefeitura de Santo Antônio do Descoberto estavam fora de área e não havia a opção de gravação de mensagem. A reportagem apurou que, ao contrário da El Shaday, inoperante desde o desastre, Dikas voltou à ativa e estava em Porto Seguro (BA) acompanhando uma excursão na semana passada. Apenas o filho dele, Hugo de Sousa, foi localizado. ;Podemos dizer que foi um erro nosso não ter verificado melhor a empresa de ônibus. Agora, temos sido mais cuidadosos;, disse.
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Total de vítimas do desastre ocorrido na Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro