Cidades

Abismo social que separa ricos e pobres aumenta em Brasília

Helena Mader
postado em 20/01/2012 07:18
Milton mora de forma improvisada no Sol Nascente, em Ceilândia. Ele faz bicos como pedreiro e ganha, no máximo, R$ 400 por mês
Duas realidades convivem na capital federal. A Brasília rica ostenta a maior renda per capita do país, com mansões à beira do lago, lojas luxuosas de marcas internacionais e servidores públicos com gordos contracheques. Mas essa pujança contrasta com a vida de cerca de 52 mil brasilienses que vivem na pobreza extrema. Pelo menos 2% dos moradores do DF passam o mês com menos de R$ 67. E esse abismo entre os mais ricos e os mais pobres não para de crescer. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou ontem um estudo com detalhes sobre a situação social do Distrito Federal. O levantamento traz dados sobre saúde, educação, trabalho e renda e mostra que, ao contrário do que ocorreu no resto do Brasil, a desigualdade por aqui cresceu na última década.

Mudar essa realidade é um desafio para as autoridades locais e para a sociedade. O levantamento social do Ipea mostra que o número de pessoas na pobreza extrema caiu de 5,3% para 2% do total da população nos últimos 10 anos. Mas a renda dos mais abastados, sobretudo dos funcionários públicos, cresceu muito, principalmente a partir de 2006 ; agravando as diferenças sociais entre as classes mais e menos favorecidas. Um retrato disso é que hoje existem 36 favelas na capital federal, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão de Castro, o aumento da desigualdade no DF é uma ;péssima notícia;. Ele explica que a cidade registra uma das maiores taxas do país, ao lado do Acre, de Alagoas e da Paraíba ; estados com renda per capita muito inferior à brasiliense. ;De 2005 para cá, esse índice cresceu. Isso tem relação com a política de aumento salarial do setor público, que não se repete com o restante da população;, justifica o especialista. ;Enquanto a desigualdade está caindo no Brasil, no Distrito Federal, a proporção nunca esteve abaixo de 0,6. Em Brasília, há uma desigualdade da opulência;, acrescenta Jorge Abrahão. O Índice de Gini, que mede a diferença, é usado desde 1912. Quanto mais próximo de 1, mais desigual é a sociedade. Na média brasileira, o índice é 0,54 e, no Centro-Oeste, 0,55 ; ambos mais baixos que no DF.

A renda domiciliar per capita no Distrito Federal subiu de R$ 939 para R$ 1.362 na última década. Esse crescimento de 41% contribuiu para o aumento da diferença entre a renda local e a média brasileira. No país, a renda domiciliar per capita média saltou de R$ 511 para R$ 631, o que representa aumento de 23% em 10 anos.

O pedreiro Milton de Souza Porto, 41 anos, diverge da média salarial de Brasília. Ele vive em um barraco de madeirite, na região do Sol Nascente, em Ceilândia, considerada a segunda maior favela do Brasil. Sem emprego fixo, ele ganha de R$ 300 a R$ 400 por mês e a sua residência improvisada não conta sequer com fogão. Enquanto ele falava com a reportagem, os vizinhos cozinhavam em uma chama improvisada sobre tijolos. O cheiro forte de fumaça era desviado diretamente para os barracos. ;Faço o que posso para me virar, mas a vida é difícil. Conseguir emprego com carteira assinada é complicado, então, me viro fazendo bicos de pedreiro quando encontro oportunidade;, comentou Milton.

O técnico em manutenção hidráulica Antônio Carlos Araújo da Cruz também enfrenta dificuldades para viver em Brasília. Ele ganha menos do que um salário mínimo para sustentar a família, que cresceu com a chegada da pequena Júlia, 10 meses. ;O pior é ter que morar em uma rua sem asfalto, sem esgoto e sem creche. Fico com medo por causa da minha filha, que é muito pequena e pode acabar pegando uma doença;, comenta Antônio Carlos, que, há seis anos, vive no Sol Nascente.

Entorno
Os dados de desigualdade do Distrito Federal poderiam ser ainda piores, se levassem em consideração a população do Entorno. Apesar de a população dos municípios goianos vizinhos ao DF depender social e economicamente da capital, as informações dessas comunidades não são computadas aos levantamentos locais. ;O Entorno não entra nas estatísticas por uma questão política, mas, economicamente, há uma influência muito grande;, garante o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão.

O diretor da Companhia de Planejamento do Distrito Federal, Osvaldo Russo, reconhece o problema e diz que no DF a desigualdade é ;estrutural;. Para ele, é complicado combater a pobreza extrema na capital porque a população nessa situação compõe ;um núcleo duro muito forte;. ;O processo de geração de trabalho e renda para essas pessoas é complicado, já que as exigências de qualificação para o mercado de trabalho são muito grandes;, explica o estatístico. ;Por isso é importante desenvolver políticas públicas que ampliem o mercado de trabalho fora do serviço público, com qualificação de pessoal;, acrescenta Russo.

Fontes de pesquisa
O levantamento social realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi baseado em dados de fontes como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE. Além disso, os técnicos coletaram informações de outras fontes, como a Rede de Informações para a Saúde, do Ministério da Saúde. Ontem, foram divulgados os estudos do DF e de Vitória, os primeiros a serem concluídos.

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