Cidades

Conhecida pela pecuária, Formosa teve suas primeiras fazendas no século 18

Renato Alves
postado em 26/01/2012 07:44
Em seu museu, o ex-marceneiro Leônidas Pires guarda documentos, moedas e outros objetos de quando a cidade se chamava Arraial dos Couros
Há quase 300 anos, os bandeirantes passaram pela primeira vez por onde hoje é Formosa. Na área vizinha ao atual Distrito Federal, depararam-se com uma comunidade indígena do povo Crixá. O encontro entre portugueses e nativos está descrito na expedição de Anhanguera (leia Para saber mais), em 1722.

No mesmo documento, porém, há relatos da presença de estrume de vaca naquelas terras, o que indicaria a passagem do homem branco, nordestinos brasileiros ou europeus, vindo da Bahia, trazendo gado. A comprovação oficial dos primeiros não índios no local, por meio de papéis guardados em Portugal, data de 1739. Eles estabeleceram fazendas de criação de gado, atividade que ainda move o município distante 70km de Brasília.

Fora a presença de bois e vacas em pastos, pouco resta da Formosa do período colonial. Casarões com mais de 100 anos não passam de 10. A maior parte da memória está preservada apenas em documentos, moedas e utensílios guardados em um museu, num antigo mas muito bem conservado imóvel. O nome, Museu Couros, remete ao período de povoamento de Formosa. Desbravada pelos moradores do Arraial de Santo Antônio (Luziânia) que fugiam da malária, Formosa virou ponto de passagem de tropeiros e comerciantes. Eles acampavam em barracas de couro para vender seus produtos. Daí veio o nome de Arraial dos Couros, segundo uma das histórias contadas por moradores.

Um dos poucos casarões centenários ainda de pé no município goiano vizinho do Distrito Federal
Mas não há consenso entre pesquisadores sobre a origem do nome Couros. Além da versão dos barracos, alguns apontam que os moradores vendiam peles de animais selvagens, enquanto outros dizem que vendiam couro de vaca. Essa e outras curiosidades estão documentadas no empoeirado arquivo do museu, o único que preserva a memória local. Ele foi idealizado e construído pelo ex-marceneiro Leônidas da Silva Pires, com doações de empresários e outros simpatizantes da sua casa. Hoje com 53 anos e um cargo na prefeitura de Formosa, ele recebe como ajuda do governo municipal somente a cessão de dois funcionários para cuidar da segurança e da limpeza do casarão onde ficam os objetos antigos.

Produção artesanal

Para manter o museu aberto, Leônidas Pires e voluntários organizam eventos ao longo do ano. O maior deles resgata uma tradição dos tempos do Império. Realizada sempre em junho, há 14 anos, a Feira da Moagem mostra aos visitantes como era a produção artesanal de alimentos na região nos séculos 18 e 19. Entre outras atrações, fiandeiras vão transformando o algodão em tecido, um trabalho centenário que requer muita habilidade nas mãos e nos pés. A partir da mandioca, mostra-se o processo de feitura de farinha, beiju, goma e puba. Garapa, melão, rapadura, batida, puxa-puxa, açúcar mascavo e pinga também já têm espaço cativo no evento. ;Esse resgate é o maior objetivo do museu;, ressalta Pires.

Além de preservar objetos seculares, Pires é um bom contador de histórias. ;Em 1726, o rei de Portugal mandou colocar aqui um posto fiscal para evitar o contrabando de ouro sem pagar o quinto devido ao reino português;, destaca. Naquela época, Santa Luzia ; o segundo nome de Luziânia ; era sede do julgado ; o juiz municipal ;, ao qual estavam vinculados dois arraiais: Arraial dos Couros e Arraial do Angico, na atual região de Brazlândia. Santa Luzia era um dos julgados mais extensos de Goiás e tinha 278 casas. O Arraial dos Couros era constituído por 148 habitantes, 50 imóveis e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Mercês e Abadia. Havia ainda 39 fazendas de gado e seis engenhos de açúcar.

[SAIBAMAIS]Somente em 1843, Formosa foi elevada à categoria de vila e passou a se chamar Vila Formosa da Imperatriz . Em 1877, virou cidade, finalmente consolidando-se com o nome atual. No mesmo ano, o visconde de Porto Seguro fez uma viagem ao Planalto Central para conhecer melhor a região e apontar, com mais propriedade, um local adequado à transferência da capital do Rio de Janeiro para o Centro-Oeste.

Em 28 de julho de 1877, o visconde escreveu, de Formosa, um ofício ao então ministro da Agricultura, conselheiro Tomás José Coelho de Almeida. Nele estava o relato do êxito da viagem e da pesquisa, indicando o triângulo formado por três lagoas ; entre elas, a Lagoa Feia ; como um dos melhores locais para a transferência da capital. Para dar continuidade ao levantamento do visconde e sua equipe, a Missão Cruls chegou ao Planalto em 1892 e, entre outras coisas, destacou as belezas naturais de Formosa, como o Salto do Itiquira, que continua a encantar os visitantes.

Desbravador de Goiás

Nascido em Parnaíba (SP) em 1672, Bartolomeu Bueno da Silva ficou mais conhecido como Anhanguera. Atraído pelo ouro das Minas Gerais, morou em Sabará a partir de 1705 e, depois, em São João do Pará e em Pitangui. Devido a uma série de conflitos, teve que voltar à capitania de São Paulo e se fixar em Parnaíba. Em 1720, pediu licença ao rei de Portugal para retornar a Goiás, onde seu pai, o primeiro Anhanguera, encontrara amostras de ouro.

Em 1722, sob seu comando, a bandeira seguiu rumo ao Centro-Oeste. Por quase três anos, ele explorou os sertões goianos em busca da lendária Serra dos Martírios. Em 1725, encontrou ouro no Rio Vermelho, próximo à antiga capital de Goiás, a hoje Cidade de Goiás. Voltou à região um ano depois, quando, na qualidade de capitão-mor regente das minas, fundou o arraial de Santana, elevado em 1739 à categoria de vila como Vila Boa de Goiás. O rei concedeu-lhe sesmarias e a cobrança de direitos sobre a passagem de rios que conduziam às minas goianas.

No entanto, a pretexto de que Anhanguera havia sonegado as rendas reais, o direito de passagem lhe foi retirado em 1733. Na medida em que se organizava a administração estatal de Goiás, a autoridade do sertanista era limitada pelos delegados régios. Ao morrer, em 1740, o segundo Anhanguera estava pobre e reduzido a um exercício de mandato quase decorativo.

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