Mais que um sonho, a estudante Ednalva Rodrigues, 24 anos, considera um dever ir a Porto Alegre no próximo sábado, para trazer para o Distrito Federal o título de Miss Deficiente Visual. Vencedora da faixa no DF, porém, ela corre o risco do não participar da competição. A Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV), que Ednalva representaria na capital gaúcha, não conseguiu levantar a verba para comprar o vestido e a passagem para enviar a concorrente e um acompanhante ao Rio Grande do Sul.
Novata no mundo dos concursos de beleza, para a jovem, concorrer ao título nacional de miss significa mostrar a Brasília e ao país que as mulheres que têm essa dificuldade são bonitas, têm vaidade, sabem se expressar e, mais do que isso, sabem perseguir o que sonham.
É a determinação de Ednalva, que nasceu em Correntina (BA), o segredo de sua beleza. E é essa mesma virtude que ela pretende utilizar para conseguir cumprir a meta de concorrer pelo título de Miss Deficiente Visual Brasil. Ela conta que sempre tomou a frente dos problemas que enfrentou, e foi assim que aprendeu a se virar sozinha, mesmo sem boa parte da visão.
Portadora de cegueira parcial por conta de uma retinose pigmentar, vê apenas vultos e silhuetas, e confunde cores como azul e verde. Tem 5% da visão do olho direito e 10% do esquerdo. Ainda assim, faz questão de ler, escrever, ir ao cinema e até andar de bicicleta com o marido, em um veículo com dois pares de pedal. ;Entrei no concurso por diversão. Não acreditava que fosse vencer. Gosto de me mover;, ri.
Se arrumar, ;criar looks;, como ela fala, é uma das atividades prediletas de Ednalva. Rotina que faz com gosto e cuidado. No concurso local de miss, ela contou com ajuda de uma maquiadora e um voluntário para desfilar, mas se vestiu sozinha. Em casa, faz a própria maquiagem: passa rímel e lápis sozinha. No guarda-roupas, cada peça tem ordem e lugar certo. Ficam separadas por tipos e cores, para que a miss consiga achar as peças que quer vestir e se arrumar para mais um dia de estudo. Faz questão de estar apresentável. ;No concurso do DF, as deficientes contavam com parentes para ajudá-las. Muita gente dizia que era uma pena, que eu não conseguiria me arrumar. Em Brasília, tenho apenas o meu marido, mas ganhei o título;, avalia.
Questionada sobre como escolhe as roupas, ela responde que não se interessa muito pelas tendências da moda. Procura o que acha bonito, o que a faz se sentir bem. Outra grande paixão é a leitura. Tem entre os títulos prediletos o livro O caçador de pipas, de khaled Hosseini, que conta a história de um afegão escritor que mora nos Estados Unidos e volta ao Afeganistão para resgatar o filho de um antigo amigo. ;Em braile, são nove volumes, mas é maravilhoso. É uma cultura nova, com mulheres diferentes, com direitos e deveres diferentes. Acho que quem lê pode conhecer mais de um país que nunca visitou do que quem esteve lá. Também assisti ao filme, mas não gostei. Recomendo que, entre um filme e um livro, escolha sempre o livro;, opina.
Moradora de Vicente Pires, ela conta com o marido, o corretor de planos de saúde Ozenilton José Pereira, 29 anos, para ir ao Plano Piloto. Assiste às aulas de espanhol no Centro Interescolar de Línguas (CIL) da L2 Sul e estuda para concurso. Mas se ele não puder ir, ela vai sozinha. Conhece o ônibus pelo barulho e pela cor. Na hora de voltar, consegue ver as passarelas, que usa como referência da proximidade de casa.
Ao desfilar, o segredo é o mesmo: conhecer o palco antes da competição para saber aonde ir, onde pisar. ;Deveria usar a bengala, mas não gosto. Se vou caminhar em um lugar que não conheço, tenho que perguntar. Mas pela L2, pela W3, por exemplo, caminho sozinha. Para quem não enxerga, uma curva, uma decida ou um quebra-molas é um ponto de referência importante;, explica.
Bicicleta
O concurso do Distrito Federal ocorreu em Taguatinga, no Teatro da Praça. Ednalva disputou o título de Miss Deficiente Visual com outras 10 concorrentes em 14 de abril (leia Para Saber Mais). Já o certame brasileiro é promovido pela Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB) e reuniu representantes de 14 estados e do DF no ano passado, quando estreou.
Na segunda edição, em Porto Alegre, que terá 16 inscritas, Ednalva gostaria de ter a companhia do marido: ;É uma cidade nova, distante, com curvas e sons diferentes, com cores diferentes. Não tenho nenhum referencial;, explica. ;Viajo com Ozenilton para Pirenópolis (GO), para Goiânia e até andamos de bicicleta e fazemos trilha. Ele vai na frente, conduzindo. Somos um grupo grande de cegos que anda de bike com a ajuda de parceiros, amigos e parentes.;
Mesmo assim, ela garante que, se não conseguir duas passagens, irá sozinha para a capital gaúcha e pedirá ajuda de outras pessoas para encontrar a própria bagagem. ;Mas o que eu puder fazer sozinha, farei. Inclusive essa viagem;, conclui.
;Viajo com Ozenilton para Pirenópolis (GO), para Goiânia e até andamos de bicicleta e fazemos trilha. Ele vai na frente, conduzindo. Somos um grupo grande de cegos que anda de bike com a ajuda de parceiros, amigos e parentes;
Ednalva Rodrigues, 24 anos, Miss Deficiente Visual do DF
Doença genética
A retinose pigmentar, ou retinite pigmentosa, é uma doença hereditária que ataca a visão, causando perda gradual do sentido. O problema genético degenera a retina, na parte de trás do olho, responsável pela captura das imagens. Incurável, ela destrói células da região conhecidas como bastonetes da vítima, causando cegueira parcial ou total.
Visibilidade social
Em 14 de abril, Taguatinga sediou o segundo concurso de Miss Deficiente Visual do Distrito Federal. No anterior, a eleita foi Ciraiane Alves, 25 anos, moradora de Samambaia e funcionária terceirizada do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília. A jovem concorreu pelo título nacional em Natal e ficou em 5; lugar. Ciraiane passou a faixa para Ednalva Rodrigues, que disputa este ano em Porto Alegre, ao lado de 15 concorrentes. Segundo uma das organizadoras do concurso no DF, a coordenadora do Núcleo de Atendimento a Pessoas com Deficiência, da Associação Brasiliense de Ações Humanitárias (Abah), Helena Rita Pereira, o certame é importante para dar visibilidade social aos deficientes e permite a adesão de cegas totais e parciais. ;Queremos mostrar que a mulher com deficiência visual é bonita, tem condições de concorrer, de se apresentar como mulher que fala bem, se expressa com segurança;, explicou.