O silêncio durou quase oito anos. Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto concluiu o curso de direito no UniCeub, a pós-graduação, noivou e casou-se, chegou aos 26 anos sem dar entrevistas. Tudo para ;levar uma vida normal;. Na noite da última quarta-feira, abriu a porta do apartamento, em um prédio de três pavimentos na 705 Norte, sem cerimônia. Descalço, de short e camiseta, pronto para dormir, conversou por mais de uma hora com o Correio. E falou como nunca. Inclusive sobre temas delicados, como a convivência com a mulher que o sequestrou. Ele ainda fez um desabafo e, acima de tudo, demonstrou o amor pelo filho que está por nascer e pela mulher, Nábyla Gabriela Queiroz Galvão, com quem convive há oito anos. Não economizou nos sorrisos nem carinhos ao posar para fotos ao lado dela e no quarto do bebê, todo decorado.
[SAIBAMAIS]Dez anos após reencontrar os pais, com alguns quilos a mais, fios de cabelos brancos, sem as mechas douradas e os brincos da adolescência ; imagem que Brasília e todo o país tinham dele ;, Pedro diz saber muito mais sobre o seu passado e ter aprendido a dimensionar os sofrimentos da família por causa do seu sequestro. ;Tenho mais discernimento das coisas;, ressalta. Ele destaca também o companheirismo da mulher, de 23 anos. ;Ela sempre me ajudou muito, me ouviu, foi compreensiva, fundamental nessa história toda;, afirma. O agora ;doutor Pedro; acredita que o fato de ela ser muito nova e morar distante de Brasília e Goiânia quando seu caso veio à tona também contribuiu bastante. ;Ela sabia pouco. Por isso, não tomava partido, era neutra, me entendia.;
Sobre o nome do filho, ele explica: ;João era discípulo mais amado por Jesus. Pedro é uma homenagem aos meus pais;. Mas Nábyla interrompe: ;É João Pedro porque não veio a Alice. Mas os papais vão amar muito esse menino;. Além da mulher e do filho, Pedro fala com orgulho de outras conquistas, como o apartamento de 60 metros quadrados. ;Tudo aqui fui eu que comprei e fiz, não contratei arquiteto;, afirma ele, enquanto mostrava os cômodos reformados do imóvel, acompanhado da cadela Lua, uma poodle branca, a ;filha; do casal. Apesar de ainda não ficar totalmente à vontade frente a um jornalista, ele entende o interesse dos brasilienses pela sua história. ;Sei que muita gente nesta cidade torceu pelos meus pais, sofreu com eles. Ainda há quem me pare na rua, no shopping e me dá um abraço, e até chora. Isso pode ser desconcertante, mas é bom.;
O que mudou nesses 10 anos?
Tudo. Eu era um adolescente muito fechado para o mundo. Hoje, sou muito mais esperto, tenho mais discernimento das coisas. Consigo enxergar melhor a minha história, a história dos meus pais.
Você hoje sabe quem é quem nessa história?
Sei. Entendo tudo melhor, estou maduro.
Mas me parece que você não se sente à vontade para falar dela.
Tem coisas que me incomodam.
Uma delas é falar sobre a Vilma? Você mantém contato com ela?
Sim. E eu sei que os meus pais não gostam. Por isso a gente não fala sobre isso.
Mas alguma vez eles o proibiram de vê-la, criaram alguma objeção ao seu relacionamento com ela?
Nunca. Os meus pais me criaram com liberdade de escolha. Eu fiz as minhas escolhas.
Você guarda mágoa de alguma coisa ou de alguém?
O que me incomodou muito foi lá no começo. Fui muito julgado, e de forma errada. Como eu não era de falar, diziam que eu era insensível, que eu não estava nem aí para nada. E não era isso. Eu via e sentia tudo, muito. Me machuquei bastante, mas guardava tudo comigo. E isso não é fácil. Era um menino e tentava tratar tudo de forma serena, para não magoar ninguém. O que eu dissesse ou fizesse podia magoar uma pessoa ou outra.
E você acha que magoou alguém?
Fiz de tudo para isso não acontecer. Se magoei, não foi de propósito, com dolo (ele ri, ao usar um termo jurídico).
Além de Vilma, você tem contato com as suas irmãs de criação?
Tenho sim, com todas. Só a Christianne não mora em Goiânia. Ela está na Europa, teve dois filhos. As outras duas que moravam na Europa (Patrícia Helaine e Carla Beatriz) voltaram para o Brasil, por causa da crise econômica. A Roberta tem um filhinho. Ela está casada, muito bem, tranquila (Registrada como Roberta Jamilly, sua verdadeira identidade foi descoberta em 2003 pela polícia goiana, que, por exame de DNA, provou ser Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva, roubada de uma maternidade de Goiânia em 1979).
Então você vai muito à Goiânia.
Antes da gravidez, a gente ia mais, uma vez por mês pelo menos. Agora, vou a cada dois meses. Tenho muitos amigos lá, muitas festas, casamentos para ir.
E onde você fica lá?
A gente vai como mochileiro. Fica na casa de um amigo ou na casa da Roberta.
E em Itaguari (GO), onde passou parte da infância e morava o seu avô de criação?
Estou em falta com o pessoal de lá. Sinto saudade de todos, eram muito carinhosos comigo. Todos muito simples. Estou em dívida com eles, pois não vou lá há um ano.
E como foi a relação com a família brasiliense nesses 10 anos?
Foi uma relação de uma família comum. Teve muitos momentos bons, teve momentos ruins, difíceis, como do enfarto do meu pai. Nada além que toda família vive.
Como está o contato com seus pais e seus irmãos biológicos?
Vou à casa dos meus pais todo fim de semana. Segunda-feira mesmo eles vieram trazer pães de queijo para mim. Vejo os meus irmãos sempre. Com o Dudu, por exemplo, falo todo dia. Ele vem aqui em casa para jogarmos videogame. Acho que esse é o meu lado do Pedrinho criança.
Como foi deixar os pais e a confortável casa do Lago Norte?
Sempre fiz de tudo para não dar trabalho aos meus pais. Trabalhei desde cedo. Tivemos (ele e a mulher) muito apoio deles para começar a nossa vida. Meus pais sempre incentivaram os filhos a sair de casa, ter a própria vida, seguir o seu caminho.
No primeiro ano com os seus pais, era nítida a sua insatisfação com Brasília. E agora, qual é a sua relação com a cidade?
Meus amigos de Goiânia vivem me perguntando por que eu ainda moro nesta cidade. Coisa daquela rixinha boba de goiano com Brasília. Respondo a eles que precisam conhecer melhor Brasília. É uma cidade que você não precisa mais do que cinco meses para se adaptar à ela. Gosto da minha rotina aqui, da segurança, do trânsito, das oportunidades de trabalho.
Você e a sua mulher fazem algum plano de deixar Brasília algum dia?
Nunca. A gente já conversou sobre isso. É aqui que queremos criar os nossos filhos.
Então vocês têm planos de ter mais de um.
Se a condição financeira deixar, vou ter dois ou três. É o meu sonho. Mas isso se a condição financeira deixar. A vida não é fácil;
Como pretende criar o João Pedro?
Pensei muito nisso no começo, mas vi que não há segredo. Vou criá-lo do mesmo jeito que os meus pais me criaram, com os mesmos princípios.
Pode-se dizer que você virou um típico cidadão de classe média brasiliense?
Pode sim. Levo a vida de um brasiliense comum e hoje gosto muito desta cidade.
E tem algum hábito brasiliense que você adquiriu?
A corrida de rua. Eu nunca havia feito isso. Comecei a correr quando morava com os meus pais, no Lago Norte, onde há muita área para a prática. Aos domingos, corria no Eixão do Lazer. Agora, morando na Asa Norte, corro perto do autódromo. Nas minhas corridas, acompanhei toda a construção do estádio (Estádio Nacional Mané Garrincha).
E você pensa em fazer um concurso público para se tornar brasiliense por completo?
Penso por causa da estabilidade, principalmente agora que tenho um filho. Mas gosto de advogar.
Mas, 10 anos atrás, quando a polícia de Brasília o achou em Goiânia, você vivia dizendo que queria ser delegado. Por que mudou de ideia?
Realmente gostei muito de vê-los trabalhar, dos métodos de investigação. Não pensava em seguir a carreira de advogado até começar a estagiar no escritório que estou até hoje. Lá, conheci muita gente bacana, séria, ética. Fui conquistado pelos colegas de trabalho. Vi o lado bonito da profissão, como podemos ajudar os outros. É gratificante quando você defende alguém acusado de algo que não fez. Tinha colegas de faculdade que sonhavam em fazer fortuna com a advocacia. Eu sempre respondia que não queria ser rico, apenas viver bem, tranquilo.