Poucas cidades no Brasil têm uma história de ocupação tão fortemente ligada aos movimentos populares quanto Brasília. A cidade que nasceu no lápis e no papel ultrapassou as divisas do Plano Piloto e se multiplicou em outros aglomerados urbanos graças às lutas pelo direito à moradia que, desde a construção da cidade, preocupou os governantes. “Tanto na democracia de Juscelino quanto na ditadura dos militares, todos tentaram se livrar das favelas”, diz o geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília, Aldo Paviani.
Organizador de A conquista da cidade, coletânea de artigos que analisa os movimentos populares de Brasília, Paviani lembra que, desde a Cidade Livre, os candangos lutam pelo direito à cidade, à capital do país. “Nem os nossos queridos Lucio Costa e Oscar Niemeyer, nem Juscelino nem Israel Pinheiro queriam manter o Núcleo Bandeirante. Para eles, a cidade coincidiria com o Plano Piloto e pronto.”
Desde o período da construção da cidade, a realidade começou a romper os contornos da utopia. Em minucioso estudo sobre o Movimento Pró-Fixação do Núcleo Bandeirante e a atuação populista e contraditória de Jânio Quadros, a professora Nair Bicalho concluiu que a mobilização dos candangos foi bem-sucedida graças à “articulação entre uma organização eficiente, uma mobilização massiva e a definição de uma estratégia em que os aliados tiveram um papel fundamental para garantir o resultado final da luta, especialmente o Congresso Nacional”. Naquela época, começo da década de 1960, a legislação do Distrito Federal era definida pelo Senado e pela Câmara Federal. Ou seja, os primeiros candangos sabiam se organizar para lutar pelo direito à cidade.