Cidades

Amigos e parentes contam histórias marcantes de Jorge Ferreira

Empresário morreu na última semana, aos 54 anos. Com seus "causos", engajamento cultural e político e solidariedade, o poeta vivia sempre rodeado de pessoas

postado em 07/07/2013 06:15
Jorge Ferreira era considerado um As histórias de vida do poeta, compositor e empresário Jorge Ferreira, 54 anos, caberiam nas páginas de um livro. Certamente, fariam o leitor rir, se admirar, se inspirar. Qualquer um que tenha convivido com Jorjão tem, ao menos, um bom momento ao lado dele para lembrar. Sem falar nos ;causos; que gostava de contar, como bom mineiro. O ;fazedor; de amigos, como foi definido por muitos, se foi na última terça-feira, mas deixou na memória de cada um lembranças para toda uma vida.

Políticos, empresários, músicos, garçons; Jorjão tratava a todos sem distinção. Qualquer ocasião era boa para abrir uma garrafa de vinho e jogar conversa fora por horas. A contação de causos o fazia estar sempre rodeado. O dono da Pizzaria Baco, Gil Guimarães, conhecia o empresário havia quase 15 anos. Guarda recordações das viagens que fizeram, no país e para o exterior. Uma vez, em um bar de Barcelona, tornou-se o centro das atenções com o espanhol mal falado, segundo o amigo. ;Como não podia beber na rua e não podia fumar dentro do espaço, ele ficou na porta com uma mão para fora com o cigarro e com a outra para dentro com a taça;, contou Guimarães.

O cartunista Ziraldo também viveu muitos momentos ao lado do amigo. Não lhe faltam histórias. Até fez algumas ilustrações para Jorge nos bares, inclusive o projeto gráfico do livro Fazimento, lançado pelo empresário em 2009. Admirava a capacidade e a ousadia de Jorjão. Ziraldo contou que as peças de decoração do Bar Brasília foram trazidas de uma farmácia de Agudos (SP). Pouco interessado nos remédios, perguntou ao dono se poderia levar toda a instalação do espaço. ;No dia seguinte, ele parou um caminhão na frente, colocou toda a instalação dentro e saiu. Deixou os remédios na calçada;, disse, sem conter o riso (leia Depoimentos).

Jorge será lembrado pelas longas conversas. O poeta Wilson Pereira recorda-se da vez que saiu para caminhar com o empresário no fim de tarde e só voltou para casa às 4h. O empresário-poeta também gostava de futebol. ;Ele é autor de um célebre gol contra, que gerou, inclusive, um conto intitulado ;Nem Pelé;. Tivemos de fazer uma pausa técnica de 10 minutos para rir do que ele havia feito;, entregou o ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) José Geraldo de Sousa Junior. ;Um dia perfeito para ele tinha que ter gol no futebol;, completou o jornalista Carlos Henrique Santos.

Jorjão amava as artes. Cobrou do amigo e compositor Clodo Ferreira uma resposta para saber se a música Feitiço Mineiro era em homenagem ao bar de mesmo nome. ;Ele ficava agoniado, me cobrava, perguntava. No fundo, ele sabia que era brincadeira, que eu tinha feito aquela homenagem.;

Jorge também sabia ser sério e solidário. Não à toa era admirado pelos funcionários dos 12 estabelecimentos dos quais era dono. O produtor cultural do bar Feitiço Mineiro, Jerson Alvim, tem muitas razões para se lembrar de Jorjão. ;Largou a vida dele para cuidar da minha depressão;, revelou.

Diante de tantas histórias, será quase impossível esquecer o amigo, patrão, pai. Apesar de morar em Brasília, o empresário e poeta esteve internado durante uma semana em um hospital do Rio de Janeiro. Não resistiu a dois acidentes vasculares cerebrais (AVC). Deixou mulher e três filhos, e muita saudade.

Colaborou Ana Pompeu


Depoimentos
Empresário morreu na última semana, aos 54 anos. Com seus Gil Guimarães,
dono da pizzaria Baco


;Conheci o Jorjão em 1999. Tinha acabado de abrir a Baco e ele frequentava a pizzaria com a turma do futebol. Naquela época, já tinha o Feitiço Mineiro e o Gordeixos, há uns oito anos. Ficamos grandes amigos. Toda a base administrativa operacional do nosso grupo foi ele quem nos deu. Estivemos juntos em várias viagens, no Brasil e no exterior. Uma vez, em Barcelona, estávamos em uma champanheria e ele, com o jeitão mineiro, dominou o bar e fez amigos. Como não podia beber na rua e não podia fumar dentro do espaço, ele ficou na porta com uma mão para fora com o cigarro e com a outra para dentro com a taça. Apesar de achar que dominava italiano e espanhol, sem falar nenhuma palavra (nesses idiomas), contava causos, declamava poemas, uma confusão, mas todo mundo adorava. Outra vez, íamos nos encontrar com o Jaguar em um bar no Catete, no Rio de Janeiro, quando eu prendi o dedo dele na porta do táxi. O Jorge saiu correndo, viu uma choperia a gelo e enfiou o dedo lá. Bebemos bons goles e o Jorjão com a mão na chopeira.;

Empresário morreu na última semana, aos 54 anos. Com seus Jerson Alvim,
produtor cultural do bar Feitiço Mineiro


;Tem uma história que vou levar para sempre, um momento muito especial. O Jorge largou a vida dele para cuidar da minha depressão. Eu passei seis meses em tratamento, entre dezembro de 2012 e maio deste ano, e ele se preocupava comigo e soube transmitir isso a todos. Chegava ao Feitiço e pedia às pessoas que trabalhavam lá para não me deixarem sozinho e me acompanharem. Todos no Feitiço me deram assistência, estavam preocupados comigo, mas o Jorge foi o elo principal dessa corrente. Até arrumou um médico para mim. Era poeta, compositor e escritor, além de um grande líder. Trabalhamos juntos, durante seis anos, e tivemos uma convivência de amigos. Nunca nos dirigiu a palavra como nosso patrão, embora fosse. Lembro-me dele como sinônimo de cultura. O Feitiço era a cara dele. Era uma resistência da música popular brasileira. E um pouco da alma de Brasília também. A cidade perdeu muito.;


Empresário morreu na última semana, aos 54 anos. Com seus Ziraldo,
cartunista


;A decoração do Bar Brasília, que parece de uma farmácia com mais de 100 anos, foi comprada em Agudos, no interior de São Paulo. O Jorge chegou lá e o farmacêutico foi logo dizendo que todos os remédios estavam dentro da validade e que ele podia confiar. E o Jorge falou: ;Eu confio em você. E as instalações, posso levar?;. No dia seguinte, ele parou um caminhão na frente, colocou toda a instalação dentro e saiu. Quando o dono viu, comentou: ;Um doido esteve aqui, levou as instalações e deixou os remédios na calçada;.;


Gustavo Vasconcellos,
gestor cultural do grupo Ferreira


;Minha história com o Jorge se divide em três partes, basicamente. Em 1991, quando nos conhecemos, ele fazia uma transformação no Feitiço para colocar música ao vivo. Eu tocava blues e ele me chamou para tocar lá. Perguntei o que o blues elétrico americano tinha a ver com esse monte de pururuca passando aqui, onde estava o palco e o som, e ele respondeu: ;Não sei, vamos tentar;. Depois dessa vez, ficamos dois anos tocando todas as sextas-feiras no Feitiço. Há um ano, ele me convidou para gerir a agenda cultural. Coloquei o Jorge na internet. Eu perguntei a ele: ;Com 23 anos de trabalho, como você não está na web?;. Criei páginas e perfis nas redes sociais, abasteci com conteúdo até que um dia ele me perguntou: ;Gustavo, como mexe nisso?;. Numa outra ocasião, ele cedeu um dos restaurantes para um político lançar um blog. Conversávamos sobre os planos para o futuro quando ele falou: ;Ele (o político) quer começar, acho que você deveria abrir o evento para mim, e saiu em direção ao carro;.;


Clayton Aguiar,
comunicador


;Em novembro do ano passado, ele me deu uma entrevista para falar do CD que acabara de lançar. Ele me contou que as empresas estavam bem organizadas e ia aproveitar a vida, viajar, se divertir. No fim, fiquei com o CD e durante muito tempo tentei devolver. Mas sempre que eu ligava não conseguia falar, as pessoas informavam que ele estava viajando para o Rio de Janeiro ou para algum lugar da Europa. Fez o que havia prometido. Se pudesse defini-lo, diria que era um fazedor de amigos, o melhor relações públicas. Quando abriu o Mercado Municipal de Brasília, eu era administrador de Brasília. Foi ele quem começou o projeto efetivo de recuperação da W3.;


Carlos Henrique Santos,
jornalista


;Como dizia, um dia perfeito para ele tinha que ter gol no futebol, chope com os amigos e um namoro com a Denise.;


José Geraldo
de Sousa Junior,
ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


;Na década de 1990, ele ajudou a criar a Associação de Sociólogos. Era transversal a vários segmentos, com engajamento político e generosidade impressionante. Além da militância, nós jogávamos futebol juntos. Ele é autor de um célebre gol contra, que gerou, inclusive, um conto, intitulado ;Nem Pelé;. Tivemos de fazer uma pausa técnica de 10 minutos para rir do que ele havia feito.;


Nizia Aparecida Nogueira
de Alvarenga e Silva, enfermeira


;Nos conhecemos desde Cruzília (MG), onde eu ainda moro. Ele era apaixonado por futebol. Chegou a jogar no Ypiranga Atlético Clube, time que o pai dele ajudou a fundar. O estádio da cidade, a propósito, recebeu o nome Jaime Furtado Ferreira. Ele era zagueiro. Se era bom, eu não sei. Entramos na Universidade Federal de Juiz de Fora em 1979. Nós fazíamos parte do Diretório Central dos Estudantes, cada um representando seu curso. Sempre nos envolvemos com centros acadêmicos e movimento estudante. A época era a ditadura militar. Nosso primeiro dia de aula foi em 1; de março. Já no dia 15 daquele mês, fizeram um boneco verde do Figueiredo (presidente do país de 1979 a 1985) para queimar. Nós ajudamos. Mas logo veio a polícia com bombas de efeito moral. Vários amigos acabaram presos naquele dia. Nós corremos e nos escondemos debaixo de um Chevette. De tanto medo, ficamos lá por seis horas. Os cães farejadores quase nos encontraram.;


Vicente Sá,
poeta


;O Jorge ajudou a financiar o meu último livro e no CD dele fizemos parceria em um poema. Quando houve o lançamento, o Jorge nos chamou para ir, fazia tempo que eu não o via. Fui um dos primeiros a chegar e o último a sair, conversamos até matar a saudade. Ele era um grande contador de histórias, empresário e poeta com o coração voltado para a arte.;

Clodo Ferreira,
compositor


;Nossa amizade estava muito vinculada ao Feitiço, casa da música brasileira, como deve ser. Nos aniversários, ele sempre me convidava para tocar. Há muitas fotos minha nos painéis. Até fiz uma música chamada Feitiço Mineiro, mas brincava com o Jorge e dizia a ele que a música não era por causa do bar. Ficava agoniado, me cobrava, perguntava se a música não era para ele mesmo. No fundo, Jorge sabia que era brincadeira, que eu tinha feito aquela homenagem.;



Wilson Pereira,
poeta


;Nós morávamos perto, e uma vez ele me ligou no fim da tarde para fazermos uma caminhada. Quando chegávamos em casa, me chamou para dar um mergulho na piscina. Logo em seguida, apareceu com uma garrafa de vinho aberta. Ficamos conversando até as 4h, falando de poesia, do tempo em que trabalhamos juntos no Sindicato dos Professores. Assim como nesse dia, me lembro de quantas vezes passamos a noite juntos conversando. Ele gostava de agregar, chamava todo mundo para participar.;

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