O morador de rua Adeílson Mota de Carvalho, 37 anos, que encontrou o universitário Felipe Dourado Paiva, 22 anos, nessa quinta-feira (22/8), também estava desaparecido. Os parentes não o viam havia cinco meses. Ele saiu de casa em março, um mês após fazer contato com a família e, depois disso, nunca mais deu notícia. Mas, com o desfecho do caso do aluno do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), que ocupou o noticiário de veículos de comunicação de todo o país, os familiares do sem-teto souberam do paradeiro dele.
A reportagem do Correio Braziliense conversou com a mãe de Adeílson por telefone nesta sexta-feira (23/8). Ela contou que o filho é dependente químico e a família mora em Redenção, no Pará. Já a ex-mulher do morador de rua, reside em São Paulo, com os dois filhos dela com Adeílson.
[SAIBAMAIS] Repórteres do Correio já contaram a Adeílson sobre a conversa com a mãe dele. O sem-teto está em clínica de reabilitação, para onde foi levado pela família de Felipe Dourado. A clínica fica na Cidade Ocidental (GO), no Entorno do DF. Os parentes do rapaz, que ficou duas semanas desaparecido, se comprometeram a ajudar o sem-teto em tudo o que for possível.
Reencontro
Adeílson caminhava em direção à Água Mineral, por volta das 11h de quinta-feira, quando parou para pedir informação a uma pessoa dentro de uma caixa de papelão, sob uma mangueira e uma jaqueira, em um canteiro em frente a Rodoferroviária, a cerca de 100m de um posto de Segurança Comunitário da Polícia Militar. O estranho disse que não poderia sair da caixa porque estava dormindo. Mandou Adeílson voltar mais tarde. O morador de rua seguiu caminho até a Água Mineral. ;Mas fiquei encasquetado e, na volta, fui ver quem era a pessoa que dormia dentro de uma caixa de apelão fechada;, contou.
Ao reencontrar o estranho no mesmo local, por volta das 14h, Adeílson suspeitou que o jovem era o mesmo dos cartazes de desaparecido que havia visto em alguns pontos da cidade. ;Perguntei se ele tinha almoçado. Ele falou que não. Então, falei que ia comprar marmita para nós dois;, lembrou. O rapaz, porém recusou a oferta. Para contê-lo, o morador de rua disse que iria comprar doce para ambos e pediu que ele permanecesse ali. Adeílson caminhou um pouco e avisou a instrutores de motoescola, que dão aulas práticas no estacionamento da Rodoferroviária, para ficarem de olho no jovem.
Não satisfeito, Adeílson andou mais um pouco, até a feira popular próxima. Lá, encontrou um cartaz de desaparecido fixado pela família de Felipe. Ao conferir a foto, não teve mais dúvida. Comprou doces e voltou para debaixo das árvores. ;Ele já não estava lá. Procurei em volta e vi ele em cima da jaqueira;, comentou o morador de rua. Naquele momento, um grupo de instrutores fazia uma espécie de cerco ao rapaz. O jovem reclamou com Adeílson. Disse que ele o havia ;dedurado;. Para acalmá-lo, Adeílson inventou que as pessoas próximas suspeitavam que ambos estavam de olho nos veículos deles.
Para ganhar a confiança de Felipe, Adeílson subiu na árvore e começou a conversar. Em certo momento, o chamou de Felipe e perguntou-lhe porque havia saído de casa. O jovem reagiu negativamente. Respondeu que se chamava Henrique Prado. Certo da identidade do rapaz, Adeílson usou a desculpa de conseguir um cigarro e foi ao posto comunitário da PM. Pediu a um policial para telefonar à mãe de Felipe, pois o havia encontrado, mas pediu aos soldados para não irem até a árvore, por medo do jovem fugir. Os PMs o atenderam, ligaram para a mulher mas ficaram de olho em Felipe.
Em menos de 10 minutos, um primo e a irmã de Felipe, Priscila Dourado, 26 anos, chegaram ao local. ;Ao ver o irmão, a menina começou a chorar e a tremer. Até chorei junto;, relatou. Priscila nada falou ao irmão. Apenas o abraçou. Felipe pediu para ir para casa. Mas os parentes o levaram ao Hospital Regional do Guará (HRGu). Vestia a mesma roupa com a qual desapareceu. A família pediu que não fosse divulgado detalhes sobre o estado de saúde do jovem. Ele deixou o hospital por volta das 18h30, e foi levado para a casa de parentes.
Reconhecimento
No início da noite de quinta-feira, em casa, Priscila recebia parentes e amigos. ;Quando o vi, nossa; só queria abraçá-lo, levá-lo para casa e cuidar dele;, ressaltou ela. Nesse momento, o professor aposentado Ulde Dourado, tio de Felipe, estacionou o carro. Nele, estavam Adeílson e algumas sacolas de compras. ;Vamos levá-lo para tomar um banho e fazer um lanche. A família já o adotou e vai fazer de tudo para tirá-lo das ruas. Se hoje vamos dormir em paz, devemos isso a ele;, comentou Dourado.
De poucas palavras, Adeílson disse apenas que não sabia o que ia acontecer com ele. Maranhense, o ex-marceneiro chegou em Brasília há dois meses. Desempregado, veio em busca de uma vida melhor. Deixou os dois filhos, Pedro Henrique, 8 e João Paulo, 6 anos, no Pará. Na capital, sobrevive dos trocados que ganha descarregando caminhões na Ceasa.
Mobilização
Felipe havia sido visto por amigos e parentes pela última vez em seu primeiro dia de aula no UniCeub, há duas semanas. Câmeras de segurança da universidade filmaram o estudante deixando o pátio da instituição de ensino. Na época, o advogado da família informou que ele sofre de transtornos psicológicos e usa remédios controlados. Sem os medicamentos, poderia ficar desorientado. Desde então, a família de Felipe distribuiu, por todo o DF, milhares de cartazes com fotos, dados do estudante e telefones de contatos. No fim de semana, fez um mutirão de buscas pela capital. Houve intensa mobilização nas redes sociais. Após diversas pistas falsas, ontem de manhã surgiu a mais forte de todas.
Francisca Vanusa Lopes da Costa, 37, reconheceu Felipe por volta das 10h30, quando ele andava pela Quadra 8 do Cruzeiro Velho, onde ela mora. A dona de casa correu atrás do jovem e chegou a chamá-lo pelo nome. ;Perguntei se ele era o rapaz desaparecido. Ele respondeu: ;Será?; e foi embora;, relatou. A mulher pediu ajuda a um vizinho, que, de moto, começou a procurar o jovem pelo bairro, sem sucesso. Sabendo disso, familiares do garoto seguiram para o Cruzeiro. Também o procuraram no Sudoeste. Mas ninguém seguiu para a Rodoferroviária, onde, àquela altura, Adeílson tinha ajudado a escrever o final feliz.