Jornal Correio Braziliense

Cidades

Especialistas condenam falhas durante apreensão de menina grávida

Garota de 15 anos reconhece que "perdeu a cabeça", mas afirma que esperou seis horas por atendimento no hospital local

Uma sequência de violação de direitos. É assim que especialistas de diferentes áreas classificam a apreensão de Aline*, 15 anos, na tarde de terça-feira. Ela está grávida de oito meses e acabou algemada, colocada irregularmente no cubículo do carro de polícia e levada para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). A detenção desrespeitou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aconteceu depois que a menina bateu boca com funcionários do Hospital Regional do Paranoá e se envolveu em uma briga com uma vigilante.



O promotor da Infância e da Juventude Renato Barão Varalda reforça que é ilegal transportar menores de 18 anos nos cubículos das viaturas. ;Se a jovem está grávida, há risco de lesão ao bebê e à própria integridade física e psíquica dela;, disse. ;Os policiais podem responder por abuso de autoridade com punições cível e penal decretadas pelo juiz, além de sanção administrativa. O Comando da PM não retornou ao pedido de entrevista feito por telefone e por e-mail.
Indira Quaresma, da Comissão de Direitos Humanos da OAB no DF, diz ter faltado sensibilidade da equipe hospitalar. ;Colocar uma pessoa nessas condições no fim da fila é desumano. Ela é praticamente uma criança, no fim de uma gestação;, condenou.

* Nome fictício em respeito ao ECA

Direitos violados

- Os PMs não poderiam ter transportado a adolescente no cubículo do camburão, como proíbe o ECA.

- Por estar grávida, eles não poderiam ter usado a força para colocá-la na viatura.

- A garota, de 15 anos, também deveria ter prioridade no atendimento médico, pois é menor de 18 anos e está grávida.

Palavra de especialista

Cidadã desrespeitada

;Essa jovem teve uma reação extrema para a extrema violação de seus direitos. Existem várias situações a favor dela: ela tem prioridade de atendimento por ser menor de idade, por estar grávida e por estar em uma emergência médica. E me parece que todos esses direitos foram tratados com indiferença. Nesse caso, o foco não deve ser o destempero de alguém muito nervoso. Na vida, tudo tem relação. A maneira como agimos tem relação com o modo com que somos tratados. Uma grávida saudável tem direito de se alimentar de hora em hora. Eram 15h, e ela não tinha almoçado ainda. Como assim, a pessoa vai se alimentar e perde a vaga?

Se alguém nessa situação se descontrola, fica violenta, é necessário fazer uma mediação, alguém do Conselho Tutelar ou da Vara da Infância. Essa menina é uma pessoa em desenvolvimento, vivendo a experiência de ter alguém crescendo dentro dela e a expectativa desse importante rito de passagem, que é a maternidade. Qualquer mulher nessa situação, no oitavo mês de gestação, acorda no meio da noite com dores, sente medo e angústia diante do novo. O que está acontecendo comigo? Será que o meu filho está bem? Vai nascer agora?

Agora, imagine uma adolescente, com toda a carga hormonal dessa fase da vida, mais os hormônios da gravidez. Ela se sentiu atacada no direito dela e teve um dia de fúria. É como se estivesse brigando visceralmente pelo direito mais básico. Infelizmente, não temos instituições públicas educadas para respeitar o direito do cidadão. Elas agem como se tivessem fazendo um favor de atender. Essa é uma cultura que precisa ser mudada.;


Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira é professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de Brasília e especialista em adolescência contemporânea.