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Crônica da Cidade homenageia Reginaldo Rossi: Mon amour! Meu bem! Ma femme!

postado em 21/12/2013 19:48


O rendevú ficava a caminho da universidade. Queríamos derrubar a ditadura e descobrir os prazeres do proletariado. Era um bordel disfarçado de boate. Escurinhos entremeados de luzes vermelhas, espelhos diante do balcão, cantinhos estofados dispostos lado a lado feito salinhas nas quais tudo ou quase tudo podia acontecer. Íamos em turma, posando de revolucionárias e revolucionários, mas disfarçando o constrangimento ante um mundo que não nos dizia respeito.

Era Reginaldo Rossi a trilha sonora mais tocada no rendevú: ;Nesse corpo meigo e tão pequeno/há uma espécie de veneno/bem gostoso de provar/Como pode haver tanto desejo/Nos seus olhos, nos seus beijos/No teu jeito de abraçar;;

Mon amour! Meu bem! Ma femme! também era a música que embalava a turma que subia o Brasil guiada pelo Projeto Rondon e foi parar em Paraíso do Norte. Reginaldo Rossi singrava a Belém-Brasília e postava-se em vinis e fitas-cassetes nas calçadas dos muquifos que chamavam de Rodoviária: ;E foi com isso/que você me conquistou/Com esse jeito de menina/E esse corpo de mulher/E nada existe em você/Que eu não ame/Sou metade sem você;;

Em Conceição do Araguaia, nas bordas da construção da hidrelétrica de Tucuruí Reginaldo Rossi ressoava na boate/hotel de madeira, com os casais dançando coladinho, como numa cena de Bye Bye, Brasil. ;De que vale ter tudo na vida? De que vale a beleza da flor/Se eu não tenho mais teu carinho/Se eu não tenho mais teu calor.;

O ídolo de cabelo pixaim e nariz batatudo era mais brasileiro que Roberto Carlos porque cantava o Brasil profundo, o que dançava, amava, existia e resistia ao largo das lutas pela redemocraticação do país e, no Sul do Pará, muito perto das atrocidades do regime.

Quando virei moderna, Reginaldo Rossi sumiu da minha vitrola e eu fiquei um pouco mais sofisticada, um pouco menos verdadeira.

Só algum tempo depois, no estouro de ;saiba que meu grande amor hoje vai se casar, mandou uma carta pra me avisar, deixando em pedaços o meu coração;, reencontrei meu ídolo. Caí de boca. Reginaldo Rossi não era artista de Plano Piloto (teria tocado aqui alguma vez?). Fui vê-lo no Pistão Sul, em Taguatinga. Ma-ra-vi-lho-so. Rebolava, abria as pernas e requebrava, rodeado de gostosas vestidas à moda das Chacretes remodeladas. Não era indecente nem pornográfico ; seria erótico não fosse ingênuo. Lúbrico, convidava o público a, em vez de cheirar cocaína, cheirar perereca.

Olhava para Reginaldo Rossi e me via representada. O Brasil de que sou feita é o mesmo que criou o Rei do Brega. Até no cabelo a gente combinava.

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