Cidades

Fundador da EMB acreditava que a música era capaz de civilizar uma nação

Fundador da Escola de Música e do Madrigal de Brasília lutava contra câncer, descoberto em 2012. Homenageado da 36ª edição do Curso de Verão, ele morreu ontem, aos 91 anos. O mestre será enterrado em Conceição do Araguaia (PA)

Irlam Rocha Lima
postado em 21/01/2014 06:04
Levino esteve em Brasília no fim do  ano passado para visitar uma de suas criações:

A arte e a cultura da capital do país perderam ontem, no fim da manhã, uma entidade: o maestro Levino de Alcântara. Visionário, ele fundou a Escola de Música de Brasília (EMB), nos anos 1960, e o Madrigal, coral referência na história da cidade. Levino é o homenageado da 36; edição do Curso Internacional de Verão, idealizado por ele e que ocorre anualmente desde 1978. O músico descobriu um câncer no pulmão no ano passado, contra o qual vinha lutando desde então. Ele tinha 91 anos.

O corpo do professor foi velado com música por amigos e familiares entre as 23h de ontem e a madrugada de hoje, na sede da EMB, na 602 Sul, no teatro que, informalmente, levava o nome dele. A partir de agora, o espaço recebe oficialmente o título em homenagem ao fundador. A programação de ontem do Curso de Verão, que acontece no local, foi suspensa. Apesar de pernambucano nascido no Recife, ele será enterrado em Conceição do Araguaia (PA), para onde o corpo e a família devem seguir ainda hoje. Levino tinha uma escola com 300 crianças carentes na cidade paraense. Lá, ensinava canto coral e instrumentos de orquestra.

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Levino morreu no Hospital Universitário de Brasília (HUB). A médica Talita Lemos Andrade, amiga da família, conta que ele descobriu o câncer no primeiro semestre do ano passado e iniciou o tratamento no Pará. Em Brasília, recebeu cuidados em diferentes estabelecimentos. ;O maestro tinha um trabalho grandioso. Ele foi um guerreiro em vida e também na luta contra a doença;, conta.

No fim de dezembro, já bastante debilitado, Levino telefonou para o amigo e violonista Paulo André Tavares. Estava preocupado com a possibilidade de que alguns dos alunos do coral que ele mantinha em Conceição do Araguaia, onde vivia, perdessem as inscrições para o Civebra. Mesmo doente, Levino continuava firme em seu propósito de educador. Ele acreditava que a música era capaz de civilizar uma nação. Os garotos conseguiram participar do curso.

Levino foi descoberto em Recife pelo maestro Eleasar de Carvalho, à época diretor da Orquestra Sinfônica Brasileira, que o levou para o Rio de Janeiro. De lá, veio para Brasília. Aqui, aprovado em concurso da Fundação Educacional do Distrito Federal, imediatamente passou a desenvolver atividades como professor na área da música.

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Em 1963, o maestro criou no Centro de Ensino Ave Branca (Cemab), em Taguatinga, coral embrião do Madrigal de Brasília, que contava também com coralistas do Colégio Elefante Branco. Em entrevista ao Correio, em novembro último, Levino relembrou: ;O Madrigal, inicialmente, contava com 18 vozes. Até 1972, era ligado à Rádio Educadora do Ministério de Educação e Cultura. Dez anos depois, passou para o âmbito da EMB;. Quando ele deixou a batuta, em 1985, o conjunto havia alcançado um patamar de excelência.

Naquele ano, aposentado, deixou a Escola de Música, o Madrigal e o DF e foi morar no sul do Pará. Lá, passou a cuidar de uma pequena fazenda. Criou, em Conceição do Araguaia, uma escola de música voltada para jovens carentes. Pensava, ainda, em fundar uma orquestra. A doença que o vitimou, porém, impediu o artista de levar o projeto adiante.

O retorno do maestro à capital, em novembro, coincidiu com a comemoração dos 50 anos do Madrigal de Brasília. Com a saúde bastante fragilizada, ainda encontrou forças para participar do concerto que celebrou a data, no Teatro Plínio Marcos, no Complexo Cultural da Funarte. Na noite de 6 de novembro, foi homenageado e regeu o Madrigal na interpretação de Carinhoso, de Pixinguinha. Comovido, disse: ;O Madrigal será sempre um pedaço da minha vida;.

Ídolo
Airton Pisco, atual diretor da EMB, via Levino de Alcântara como um pai. ;Em 1980, estudante de música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vim participar do Curso de Verão e conheci o maestro. Ao observar meu desempenho, ele me convidou para ser professor de violino da escola. Deixei o Rio e naquele mesmo ano já estava morando na capital e dando aulas;, lembra, que este ano é o coordenador do curso pela primeira vez. ;Para nós, ele tinha que ficar aqui mais 200 anos. Ele é a alma, o coração da escola. Duvidou do impossível. A obra dele transcendeu a finitude da existência humana;, discursa.

A professora Maria de Barros foi aluna de Levino no Madrigal de Brasília por uma década e lecionou na EMB entre 1981 e 2013, onde também coordenou o curso de canto popular. ;Ele foi muito importante para a profissionalização do músico na cidade. Se não fosse ele, talvez eu não tivesse enveredado por este lado;, conta ela. Segundo Maria, Levino foi aluno de Heitor Villa-Lobos e se contagiou com o espírito dele de querer levar o canto coral para as escolas.

Maria de Barros conviveu por muitos anos com o maestro e ressalta o carisma dele. ;Uma pessoa boa-praça, sempre para cima;, diz. A professora integrou o grupo Invoquei o Vocal, nos anos 1980, com outros alunos da EMB, e lembra-se com carinho de o maestro ceder uma sala no local para que eles ensaiassem. O prédio foi fundado em 1974, por esforço dele. ;Ele se empenhou muito, foi uma batalha longa. Enquanto isso, foi dando aulas e juntando profissionais em torno de si;, diz.

O violonista Paulo André Tavares, professor aposentado da EMB e que cuidou da liberação do corpo, também destaca o esforço do maestro em formar músicos para instrumento de orquestra, além do canto coral, sua principal marca. Paulo conta que o sonho do maestro era que a escola oferecesse educação integral aos estudantes, com aulas regulares em um turno e a música em outro. A meta nunca foi atingida. ;O maestro é o nosso ídolo;, aponta o músico, que esteve bastante próximo a Levino nos últimos três meses. ;É uma perda muito grande, mas a obra que ele deixa é ainda maior;, afirma Maria de Barros.

Colaborou Lucas Fadul

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