postado em 18/03/2014 10:01
Turistas brasileiros visitavam Sintra, a charmosa cidade portuguesa localizada a 35km de Lisboa. Para chegar ao Castelo dos Mouros (de visitação obrigatória), tinham de subir a pé ao alto do morro. Um deles, ofegante, sugeriu que, se eram proibidos veículos motorizados, por que não autorizar o uso de charrete para facilitar o acesso ao prédio? A guia parou e respondeu com argumento definitivo: ;Senhor, esta é uma cidade tombada;.Tal qual Sintra, Brasília figura no privilegiado clube de Patrimônio da Humanidade. Significa, como frisa o dicionário, que se trata de conjunto de bens naturais e culturais de importância reconhecida, que passaram por processo de tombamento para serem protegidos e preservados. São alvo, por isso, de cuidados especializados que lhes mantêm a inteireza e a incolumidade.
Mas, diferentemente da lusa, a urbe brasileira corre risco de descaracterização. O mais recente perigo vem do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub). Apesar do nome, o PPCub altera espaço inalterável. A Unesco, em 1987, reconheceu a capital do Brasil como preciosidade digna de reconhecimento. Três anos depois, tombou-a. A iniciativa teve a marca do ineditismo. Pela primeira vez, o órgão da ONU protegeu uma cidade moderna, com apenas três décadas de existência.
[SAIBAMAIS]A Unesco, vale lembrar, não tombou prédios. Tombou escalas. São quatro intimamente relacionadas - gregária, residencial, monumental e bucólica. A bucólica, por exemplo, prevê os vazios, os parques, as áreas verdes. A residencial, a altura dos prédios que compõem as superquadras. Aliadas, as duas mantêm a vida comunitária aprazível - com jardins, escolas, parquinhos, igreja, clube, comércio próximos ao morador.
É esse patrimônio que exige respeito sagrado. Ao criar áreas para a expansão imobiliária, o PPCub compromete vazios que exigem preservação. Não apenas. O adensamento abala a qualidade de vida - bem que, por si só, justifica intransigente repúdio a qualquer iniciativa que possa acarretar prejuízos presentes ou futuros. Sem acompanhar a explosão populacional, a oferta de água, energia, estradas, hospitais, transporte público está aquém das necessidades dos habitantes.
O PPCub precisa ser amplamente discutido antes de ir à votação. Mesmo obras que não atingem as escalas, como é o caso do estacionamento subterrâneo na Esplanada, têm de merecer criteriosa avaliação. Dez mil vagas são, aparentemente, bem-vindas. Mas não resolvem o problema que se agrava dia a dia. Mais do que incentivar a circulação de carros - que vai na contramão da modernidade -, impõe-se oferecer alternativa ao veículo egoísta. O mundo desenvolvido investe no transporte multimodal. Trem, metrô, ônibus, bicicleta devem ocupar o espaço hoje destinado aos carros.