Cidades

Freis alemão e argentino não escondem a torcida para a final da Copa

Os freis Vicente e Jorge têm em comum a religiosidade, mas são diferentes em relação à paixão dos brasileiros. O germânico somente acompanha os jogos a cada Mundial e torce para que os argentinos sejam campeões. O latino, além de ter sido jogador, é fã da seleção alviceleste

postado em 13/07/2014 08:00

Os freis Vicente e Jorge têm em comum a religiosidade, mas são diferentes em relação à paixão dos brasileiros. O germânico somente acompanha os jogos a cada Mundial e torce para que os argentinos sejam campeões. O latino, além de ter sido jogador, é fã da seleção alviceleste

Assim que surgiu a possibilidade de uma final entre Argentina e Alemanha na Copa do Mundo do Brasil, pipocaram nas redes sociais charges e piadas sobre o ;duelo dos papas;: uma alusão ao argentino Francisco e ao alemão Bento XVI. As brincadeiras ganharam tanta repercussão no mundo inteiro que o Vaticano precisou negar, oficialmente, a possibilidade de os dois pontífices assistirem juntos à partida.

Como no futebol, o jeito europeu e o jeito latino de chefiar a Igreja têm lá suas diferenças. No campo religioso, não se trata de uma rivalidade, mas há quem consiga enxergar facilmente semelhanças entre a técnica do time alemão e o papado doutrinário de Bento XVI e a desenvoltura da seleção de Messi e a humanidade protagonizada por Francisco à frente da Santa Sé.

O Correio encontrou em Brasília um padre de cada um dos países que estarão representados na final da Copa de 2014. O alemão frei Vicente, 69 anos, conversou com a reportagem vestindo terno e gravata. O argentino frei Jorge Fernández, 51, se enrolou em uma bandeira com as cores azul-celeste e branca e vestiu uma camisa do Boca Juniors.

Os sacerdotes revelam estilos diferentes, como era de esperar, mas transparecem pontos surpreendentemente em comum, como a tristeza genuína diante da derrota brasileira por 7 x 1 e a torcida pela vitória da Argentina no Maracanã. Ambos não arriscam dizer quem levantará a taça, mas têm certeza de que, na Igreja, um mix do tecnicismo europeu e do humanismo latino melhora o jogo.

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FREI VICENTE

Nem a vitória massacrante de 7 x 1 que tirou o Brasil da Copa fez frei Vicente tomar gosto pelo jeito de jogar da seleção do país onde nasceu. Natural de Scherin, antiga Alemanha Oriental, Volker Egon Bohne (assim batizado) nunca gostou muito de futebol. Não torce para times, não vai a estádios, mas, de quatro em quatro anos, não perde uma partida do Mundial.

Há 13 anos sem voltar à Alemanha, o religioso guarda da terra natal um sotaque carregado, a personalidade firme e o gosto por, vez ou outra, um chope gelado acompanhado da tradicional linguiça. ;Mas chucrute, pelo amor de Deus, não;, avisa logo ele, frequentador de restaurantes alemães na capital federal, onde desembarcou quase duas décadas atrás.

Por mais que soe estranho, frei Vicente garante: torceu somente para o Brasil desde o início da Copa até a fatídica goleada alemã. ;Futebol, para mim, precisa ser algo lúdico. O jeito latino de jogar, mais humanizado, com mais emoção, me agrada mais. Os europeus são estritamente técnicos, são como uma máquina: vão lá, fazem gol e pronto;, justifica.

Seguindo esse raciocínio, fica mais fácil prever qual será o apoio do franciscano na final. ;Continuarei com os latinos;, diz ele, confirmando a torcida pela Argentina, nação do papa Francisco, por quem vibra com muito mais afinco. ;Na Igreja, não são apenas algumas partidas de 90 minutos; o jogo dura 50, 100 anos. Mas é urgente que, sem sufocar a razão, a emoção prevaleça;, defende.

Em campo, frei Vicente não acredita tanto no poder da própria torcida e aposta no título da ;fria Alemanha;, cujos jogadores até surpreenderam ao se soltarem no Brasil. Já no catolicismo, ele tem esperança de que o pontífice argentino, sucessor do alemão Bento XVI, conseguirá ;humanizar; a Igreja. ;Neste momento da história, não se pode valorizar somente a técnica;, insiste.

Futebol, para mim, precisa ser algo lúdico. O jeito latino de jogar, mais humanizado, com mais emoção, me agrada mais. Os europeus são estritamente técnicos, são como uma máquina: vão lá, fazem gol e pronto;

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FREI JORGE FERNÁNDEZ

O frei argentino Jorge Fernández viu a abertura da Copa do Mundo em Assis, na Itália. Acompanhou o avanço do time de Messi e Di María no México, e no dia da classificação para a final, após a vitória nos pênaltis contra a Holanda, já estava em Brasília. O jogo contra Alemanha ele acompanhará em São Luís. Entre idas e vindas, a vida missionária nunca abafou o espírito aguerrido de torcedor do religioso.

Fã do Boca Juniors, frequentador do La Bombonera (estádio do time em Buenos Aires) e zagueiro valente nos jogos do seminário ; antes de uma lesão no joelho direito o tirar de campo ;, frei Jorge está animado de verdade com a possibilidade de a Argentina ser tricampeã do mundo. ;Vocês, brasileiros, dizem que o argentino não sabe perder. Quem gosta de perder no esporte?;, questiona.

Nascido em Formosa, uma província ao norte da Argentina, próximo ao Paraguai, o franciscano missionário sempre levou o futebol a sério. Sobre a velha rivalidade com o Brasil, ele não titubeia. ;No futebol, de fato, ninguém tem amigos. Os dois lados parecem ter necessidade de criar esse
estigma por questão de autoconfiança ou mesmo um efeito comercial, não sei;, comenta.

Frei Jorge diz que não torceu contra o Brasil, mas, sim, a favor do México, do Chile e da Colômbia, adversários brasileiros no Mundial. ;São times menores;, tenta explicar. ;O que fico com raiva e não entendo é ver que brasileiros torcerão pelos alemães na final, mesmo depois de terem sido humilhados por eles;, confessa.

No último conclave, quando o brasileiro dom Odilo Scherer estava entre os cotados para ser papa, frei Jorge deixou qualquer rivalidade de lado. ;Torci por um latino, acima de tudo;, conta ele, que viu o bispo e xará Jorge Mario Bergoglio ser eleito pelos cardeais. ;Entre os papas, não há duelo, são perfis diferentes. Francisco gosta do cheiro do povo. Bento XVI foi um gigante da humildade ao renunciar;, emenda.

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