Cidades

Professora perde família inteira em tragédia, sobrevive e vira inspiração

A caminho das férias, a professora perdeu na BR-020 quatro filhos e o marido. Com marcas de queimadura, ela resiste à dor. Dá palestras e busca ajuda para editar o livro Pérolas no asfalto, em que relata o drama e a superação

postado em 25/07/2014 06:02

Depois de três anos e meio do desastre que mudou sua vida, a professora Vânia conta sua experiência em hospitais, igrejas e centros espíritas

Tirar da maior dor do mundo uma lição de vida. Assim pode ser resumida a história de Vânia Borges de Carvalho, 46 anos. Em dezembro de 2010, animada com as festas de fim de ano, a professora e a família viajavam rumo às merecidas férias em Fortaleza (CE) quando a história deles mudou para sempre. Em um trágico acidente na BR-020, menos de quatro horas depois de deixar a casa no Guará, Vânia perdeu tudo. Três dos quatro filhos, Anna Beatriz, 12 anos, Júlia, 5, e Pedro, 9, e o marido, Jarismar, 43, não resistiram ao impacto da batida e às chamas que tomaram o carro. O único levado ao hospital, Rayran,16 anos, morreu 15 dias depois.

Com 70% do corpo queimado, Vânia lutou por mais de 87 dias para sobreviver. E sobreviveu. Não apenas curou as feridas que tomaram o seu corpo, como encontrou forças para mostrar que é possível seguir. ;Tudo o que eu pedi a Deus, ele me deu. Um marido maravilhoso, filhos lindos e saudáveis. Como eu poderia me revoltar na hora em que Ele me pediu para devolvê-los?;, questiona.

A prova mais concreta dessa superação tem nome: Pérolas no asfalto. Esse é o título do livro em que Vânia narra o ;holocausto; pelo qual passou e, o mais importante, conta como conseguiu ultrapassar desafios capazes de derrubar qualquer ser humano. ;Enquanto estive internada, soube que os médicos ligaram algumas vezes para os meus pais e falaram: ;A Vânia não passa de hoje. Venham se despedir;. Mas passavam os dias, e eu mostrava que estava ali pronta para viver;, detalha. O livro começou a ser escrito em 2012. Apesar de ser destra, ela precisou aprender a usar a mão esquerda, já que perdeu parte dos movimentos no membro direito.

A ideia do título da história surgiu ainda na ambulância, quando ela e o filho mais velho, Rayran, então com 16 anos, recebiam os primeiros socorros. Ao ouvir o barulho de uma forte explosão, ela teve a certeza de que Anna Beatriz e a pequena Júlia haviam morrido. ;Disse a ele que as nossas meninas não tinham resistido, mas acreditava que o meu marido e o Pedrinho iriam sobreviver. Falei que as nossas pérolas estavam no asfalto;, lembra.

Pedro e Jarismar Moreira de Carvalho, Jarinho, como era carinhosamente conhecido o companheiro de 19 anos de vida, chegaram a ser retirados com vida da Zafira da família. O garoto, no entanto, morreu ao dar entrada no Hospital de Base de Brasília. Com uma forte hemorragia interna, Jarinho também não resistiu. Rayran ficou internado no Hospital Regional da Asa Norte, o mesmo onde Vânia viveu dias de terror até conseguir curar as feridas que tomaram o corpo. Perdeu parte do braço direito, da barriga, das pernas e dos seios. Teve convulsões, precisou de anestesia geral para aguentar os banhos com esponjas de aço que preveniam as infecções.

Depois de 15 dias, o filho mais velho morreu em decorrência de queimaduras e traumatismo craniano. ;Naquele dia, eu senti que ele havia partido. Tive falta de ar, as dores ficaram mais fortes.; Ninguém, porém, tinha coragem de contar o desfecho da trágica viagem. ;Sempre que eu perguntava sobre eles, as pessoas me diziam que todos estavam em estado muito grave, mas que lutavam para sobreviver;, conta. As respostas lacônicas de enfermeiros, parentes e amigos foram, aos poucos, dando pistas da tragédia. Vânia soube depois que, em muitos desses episódios, enfermeiras, amigos e parentes tratavam de sair logo do quarto para chorar. Os médicos temiam que, com a saúde totalmente comprometida, ela não resistisse ao impacto da notícia.

A verdade só seria revelada na volta para casa. ;A minha mãe preparou um chá e me contou tudo. Não senti revolta. Soube naquele momento que, se Deus tinha me salvado, devia ter algum propósito para mim.; Ao longo do doloroso tratamento ; que continua até hoje ;, Vânia amadureceu a ideia de registrar a história em livro. ;Nada acontece ao acaso. Acho que a minha missão é mostrar às pessoas que é possível continuar vivendo. Tudo que eu superei foi graças a uma forca interior, de Deus mesmo, porque é humanamente impossível resistir a tudo isso;, resume.

Com o livro pronto, Vânia enfrenta agora um novo desafio: conseguir publicá-lo. Mas isso não é capaz de desanimá-la. Incentivada por amigos, a professora decidiu lançar uma campanha virtual para levantar fundos. Até a tarde de ontem, havia atingido 31% da meta, que é R$ 7 mil. Agora, conta com a solidariedade de amigos e desconhecidos para levar Pérolas no asfalto ao maior número de pessoas que conseguir.

Motivação
Quando voltou a trabalhar, no ano passado, Vânia passou também a dar palestras sobre superação e compartilhar a experiência. Já foi a escolas, hospitais, igrejas, centros espíritas. A religião, aliás, é a fortaleza da professora, que dá aulas no Centro de Ensino Fundamental n; 5, no Guará 2. Espírita, ela diz ter certeza de que a fé a salvou e é responsável por mantê-la firme. ;Depois das palestras, muitas pessoas conversam comigo e dizem que sou uma inspiração. Mães que perderam filhos conseguem ver que existe esperança. Eu vejo que Deus me deixou aqui para isso.;

Pedrinho, Júlia e Anna Beatriz, filhos de Vãnia, e o marido, Jarismar, morreram no dia do acidente, na véspera do Natal de 2010. Rayran, o primogênito, resistiu 15 dias no hospitalTrechos do livro

Pérolas no asfalto, de Vânia Borges de Carvalho

;Filhos amados, mamãe tem feito um esforço incalculável para lembrá-los sem prantos de choro, mas é humanamente impossível...choro, choro muito a ausência de suas presenças. Em meu travesseiro encharco de lágrimas sofridas e no mesmo instante sinto o amparo do Altíssimo e a calmaria toma conta do meu ser, como a bonança trazendo brisas, após um longo vendaval.;

;Eles partiram para uma viagem nada programada em dias, meses, anos anteriores... Viagem a qual todos nós faremos, mas que, na maioria das vezes somos pegos de surpresa, sem avisos prévios...será?! Saibamos nos silenciar, amiúde, para ouvirmos a voz do Pai a nos perguntar: Filho, está preparado? E prontamente, se exercitarmos as suas lições, Lhe responderemos que sim; carregando em nossa bagagem somente as preciosidades da alma. Tenha cautela e vasculhe na sua consciência se as Leis de Deus foram bem empregadas enquanto esteve na universidade da vida, essas sim terão enorme peso, enquanto encarnados, e quando retornarmos vitoriosos à casa do Pai!”

;Lembro-me que em determinado momento do percurso, meu esposo abriu praticamente todo o vidro do seu lado, visto que o ar condicionado estava desligado...e mais uma vez a Espiritualidade já preparava todo o cenário daquela manhã que imaginávamos ser inesquecível, tornando-se, mais à frente, fatídica e inimaginável. A morte não é uma fatalidade, nem tão pouco uma casualidade, se apresenta no momento e na hora que aprouver ao Pai chamar os seus filhos para o retorno à pátria espiritual, e assim se fez: ali, naquele momento, já estava nos planos divinos virar-me e falar ao meu esposo que ele retornasse: naquele retorno deixamos os nossos sonhos, a nossa história inesquecível embalada por lindos rebentos que fortaleceram com alegria a família abençoada que o criador nos presenteou...Uma pancada violenta abateu de uma vez os entes mais amados de toda a minha vida.;

;Foram dias inumeráveis de retornos ao ambulatório para os curativos que se faziam necessários. Submeti-me a cirurgias reparadoras, ao uso de malhas extremamente apertadas, no intuito de prevenir o surgimento de queloides, fisioterapias para reaprender a andar; lembrando que, ao receber alta, eu fiz uso da cadeira de rodas ; as idas ao hospital eram sacrificantes ao meu irmão Kim e vizinhos que precisavam reunir força braçal para descer 47 degraus comigo. Quanto receio senti de cair do terceiro andar e rolar escadas abaixo. Meu Deus! E hoje, superados tantos medos, me vejo e me surpreendo com atitudes que outrora não me via tomando. É verdade...a vida nos apresenta tantas oportunidades e habilidades, que muitas vezes nos achamos incapazes de desenvolver e, quando menos esperamos, os talentos divinos nos são oferecidos gratuitamente e urge o tempo que precisamos fazer uso e os desenvolvermos com destreza e satisfação próprias.;


Ajude
; Quem quiser contribuir com a campanha pode acessar a página:
; É possível ajudar com lances que vão de R$ 10 a R$ 160.

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