Cidades

ONU: negação da existência do racismo no Brasil é obstáculo

Relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas constata a falta de políticas públicas no país e menciona as dificuldades dos brasileiros em discutir e até admitir o problema. Documento será apreciado na Suíça

postado em 13/09/2014 08:32


O Grupo de Trabalho das Organizações das Nações Unidas sobre Afrodescendentes publicou ontem o relatório com as conclusões da visita ao Brasil, em 2013. Embora ressalte alguns pequenos avanços no combate à discriminação racial, o texto traça um panorama dramático da situação dos negros e classifica o racismo como ;estrutural e institucional; no país. O relatório, terceiro do tipo feito no Brasil, será apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU no fim do mês, em Genebra, na Suíça. ;A negação da existência do racismo também continua a ser um obstáculo ao acesso à Justiça;, diz o texto.

O caráter estrutural do problema é demonstrado por meio de comparações. O desemprego entre negros é 50% maior do que entre descendentes de europeus ; que têm expectativa de vida 6 anos maior do que os afrodescendentes, exemplificam os autores. ;O racismo permeia todas as áreas da vida, no entanto, tem sido difícil para os afrobrasileiros discutirem o assunto, já que muitos ainda defendem o mito da democracia racial. Ele é frequentemente usado por políticos conservadores para desacreditar as ações afirmativas;, analisam os relatores. O mito da democracia racial defende a inexistência de racismo no país, dada a miscigenação entre diferentes povos e raças.

Para mudar o quadro desfavorável aos negros, que são 50,7% da população, a equipe recomenda medidas para dar maior eficiência ao combate à questão (leia Recomendações). O fim do ;auto de resistência; é uma delas. A brecha legal impede a investigação de assassinatos praticados por policiais em serviço ; que atingem sobretudo os jovens negros da periferia ;, com a simples alegação de resistência à prisão.

Confira o que pede o relatório da ONU:

- Garantir a permanência de estudantes negros cotistas nas universidades
- Prevenir a violência contra mulheres e jovens negros
- Elaborar um plano nacional de controle e treinamento das PMs
- Abolir o auto de resistência
- Aprimorar o ensino de história e cultura afrobrasileira nas escolas
- Agilizar e desburocratizar a titulação de terras quilombolas
- Prover recursos financeiros e humanos para os órgãos municipais e estaduais de combate ao racismo

Magali Naves, da assessoria internacional da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do governo federal, defende um ;avanço histórico; do Estado brasileiro nos últimos anos, a começar pela criação do próprio órgão, em 2003. Em termos mais concretos, ela cita a instituição das cotas na educação e no serviço público, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e o Plano Juventude Viva, entre outros. ;O reconhecimento do papel estruturante do racismo é o principal fator para que a atual gestão apoie decididamente ações afirmativas para produzir as mudanças, que, por longo tempo, foram impedidas de acontecer;, observa.

O relatório também reconhece os avanços citados por Magali, mas ressalta a falta de recursos para as equivalentes municipais e estaduais da Seppir e de medidas que garantam a permanência dos jovens negros na universidade. ;Essas observações da ONU são velhas conhecidas nossas. O Brasil é a bola da vez nas Nações Unidas em relação ao racismo. É a terceira vez que o relatório especial vem ao Brasil, e o quadro tem se confirmado;, lamenta Ivair Santos, coordenador do Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília (CCN-UnB).

Para Santos, não há indicativos concretos de que a situação terá avanços significativos a curto ou a médio prazo. ;Na verdade, vai piorar. Estou há 40 anos nessa luta. O silêncio é enorme;, lamenta. O coordenador do CCN-UnB comemora a publicação da série do Correio Braziliense #racismonunca, que coloca o tema em evidência. ;Temos de agradecer ao Correio por ter pautado o assunto, até com editorial. Não é só um dia, com um caso isolado. É educativo;, conclui.

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