Jornal Correio Braziliense

Cidades

Mortes envolvendo policiais do Entorno serão investigadas pela OEA

Matança nas cidades vizinhas do DF e em Goiânia foram tema de série de reportagens publicadas pelo Correio Braziliense e provocaram a criação de força-tarefa da Polícia Civil goiana. Apesar das investigações apontarem autorias, nada foi feito pelo governo estadual



O desaparecimento de 36 pessoas em Goiás entre 2000 e 2011 e a violação de direitos humanos no estado serão tema de audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, nos Estados Unidos. A reunião está marcada para 31 de outubro. Todos os casos têm policiais goianos como suspeitos de execução e ocultação de cadáver. Muitas das vítimas morava em cidades do Entorno do Distrito Federal.
O envolvimento de agentes de segurança nos crimes foram investigados pela Comissão Especial de Defesa da Cidadania, criada por decreto do governo estadual, em 2011. Muitos deles foram denunciados em série de reportagens do Correio Braziliense. O relatório final da Comissão apresentou propostas para investigação dos casos e amparo às famílias e expôs a gravidade da situação de violação de direitos no Estado. A situação goiana é única e singular pela existência do relatório da Comissão, um documento oficial, e as decisões aplicadas ao caso poderão ser ampliadas para todo o país.
A série de reportagens Crimes de farda, publicada pelo Correio entre 1; e 7 de maio de 2011, mostra as histórias de pessoas mortas em supostos confrontos com policiais militares de Goiás e o drama dos seus familiares, que vivem com medo, sem amparo do Estado.
Crimes de farda é a continuidade das denúncias do jornal contra um suposto grupo de extermínio no Entorno, que o jornal vem fazendo desde 11 de maio de 2009. As matérias denunciavam a responsabilidade de policiais militares em pelo menos 20% dos homicídios registrados em Formosa (GO), a 70km de Brasília.
Em 2008, os PMs admitiram ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Na maioria dos registros, os militares alegaram confrontos com bandidos armados. Mas, grande parte das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como testemunhas.
O aumento no número de mortes no município com a chegada do major Ricardo Rocha Batista ao batalhão de Formosa, em 2007, chamou a atenção do Ministério Público e da Polícia Civil de Goiás, que abriram investigações sigilosas na capital do estado. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde (GO), onde é acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e de matar com cinco tiros um homem desarmado.
Em 2009, a Superintendência da Polícia Federal em Goiânia começou a apurar cerca de 50 mortes em confrontos com a Polícia Militar na capital do estado e no Entorno do DF. Em 15 de fevereiro de 2011, policiais federais prenderam 19 PMs acusados de integrar um esquadrão da morte.
Relatório detalhado
Nesta segunda-feira feira (29/9), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) enviou correspondência endereçada à Associação Cerrado e ao Ofício em Direitos Humanos e Tutela Coletiva da Defensoria Pública da União em Goiás comunicando que atendendo ao pedido apresentado por aquelas entidades em 13 de agosto deste ano, será realizada, em 31 de outubro, sessão temática para tratar das ;denúncias de violência policial e desaparecimento forçado no Estado de Goiás no Brasil;. O mais recente período de sessões extraordinárias da CIDH foi realizado na Cidade do México, a convite do governo daquele país, de 11 a 15 de agosto.



No pedido de audiência apresentado à CIDH, está destacado que o tema dos desaparecimentos forçados ganhou projeção nacional nos protestos de junho de 2013, após o desaparecimento de Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro. No pedido há a justificativa de que o Estado de Goiás apresenta uma condição única no país: em 2011 foi criada por decreto do governo local a Comissão de Defesa da Cidadania, integrada por agentes das forças policiais, Ministério Público, legislativo e sociedade civil para analisar os 36 casos registrados desde o início da década de 2000. A Comissão produziu um relatório detalhado, com propostas de medidas a serem adotadas para a solução nos casos estudados e assistência às famílias das vítimas bem como para a prevenção de ocorrências futuras.
No entanto, apesar do minucioso relatório entregue ao então secretário de Segurança Pública de Goiás, nada de efetivo foi feito desde então. Nenhum caso foi solucionado, nenhum corpo foi localizado e as famílias continuam desassistidas.
A apresentação do caso numa sessão temática da CIDH é uma última tentativa para se buscar a efetivação das medidas recomendadas no relatório ao governo local, oferecendo assistência às famílias desamparadas e buscando o esclarecimento dos crimes. A apresentação do tema terá relevância para todo o país, com as decisões daí resultantes podendo ter aplicação nacional.
O texto destaca ainda que a gravidade da situação de violações de direitos em Goiás é tamanha que está em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o Incidente de Deslocamento de Competência no 3 (IDC-3), ajuizado pelo procurador-geral da República (PGR), para a federalização de investigações, processamento e julgamento de crimes ocorridos no estado vizinho do Distrito Federal.
A ação foi ajuizada em maio de 2013, após um pedido formulado ao PGR pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). O pedido foi formalizado depois que o CDDPH fez uma sessão extraordinária em Goiânia, em setembro de 2012, em resposta à apresentação do relatório Insegurança Pública em Goiás: Anacronismo e Caos, pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás, deputado Mauro Rubem, junto ao Movimento Nacional de Direitos Humanos, em sessão realizada em 21 de agosto de 2012.
O relatório traz uma série de crimes envolvendo a suspeita de participação de agentes policiais e a incapacidade das autoridades locais em punir os responsáveis e coibir novas ocorrências. Constam do relatório casos de desaparecimentos forçados, execuções sumárias e o emblemático caso de violência no despejo de milhares de pessoas no episódio que teve repercussão mundial, conhecido como Parque Oeste ou Sonho Real. Aos casos listados no relatório, o CDDPH acrescentou dezenas de execuções de moradores de rua em Goiânia, iniciadas em agosto de 2012.
Para saber mais
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. É integrada por sete membros independentes que atuam de forma pessoal e tem sua sede em Washington, D.C. Foi criada pela OEA em 1959 e, juntamente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), instalada em 1979, é uma instituição do Sistema Interamericano de proteção dos direitos humanos (SIDH).
Já o SIDH iniciou-se formalmente com a aprovação da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem na Nona Conferencia Internacional Americana realizada em Bogotá em 1948, onde também foi adotada a própria Carta da OEA, que afirma os ;direitos fundamentais da pessoa humana; como um dos princípios fundadores da Organização.
O respeito pleno aos direitos humanos aparece em diversas sessões da Carta. De acordo com esse instrumento, ;o sentido genuíno da solidariedade americana e de boa vizinhança não pode ser outro que o de consolidar neste Continente dentro do marco das instituições democráticas, um regime de liberdade individual e de justiça social, fundado com respeito aos direitos essenciais do homem;. A Carta estabelece a Comissão como órgão principal da OEA, que tem como função promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da OEA nesta matéria.