Cidades

Ciclistas, cadeirantes e deficientes visuais: desafios da mobilidade no DF

Série do Correio vai mostrar as dificuldades de locomoção para quem não tem carro na capital federal. Primeira matéria também ouviu ciclista e deficiente visual

Adriana Bernardes
postado em 12/10/2014 08:00
[VIDEO2]

Juracy, Paulo e Mateus não se conhecem, mas compartilham diariamente os mesmos problemas. O cadeirante, o deficiente visual e o ciclista integram a parcela da sociedade que mais sofre com a falta de uma política eficaz de mobilidade urbana. Um flagrante desrespeito à Constituição Federal, que, em seu artigo 5;, estabelece: no Brasil, todos são iguais perante a lei. Portanto, deveriam ter garantido o direito de ir e vir com comodidade e segurança. Uma realidade distante na capital.
[SAIBAMAIS]


[VIDEO3]

Por lei, os meios-fios deveriam oferecer uma rampa para cadeirantes. Porém, o mais recente levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que, dos 774.037 domicílios do Distrito Federal, apenas 15,7%, ou 121.648, possuem tal acesso. Com as calçadas não é diferente. Pelo menos 25% dos logradouros não dispõem de calçamento destinado a pedestre. E, quando têm, boa parte não atende aos parâmetros da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

[VIDEO4]

Quem usa a bicicleta como meio de transporte também sofre com a exclusão. Apesar do avanço na implantação das ciclovias, a malha (de 550km) é insuficiente para garantir o trajeto seguro. Para piorar, muitos motoristas enxergam o ciclista como um intruso no trânsito. A reportagem do Correio acompanhou Juracy, Paulo e Mateus pelas ruas de Brasília para mostrar os desafios rotineiros.



Em 2008, durante uma discussão de trânsito, Juracy de Souza Santos levou um tiro nas costas. O ferimento na medula paralisou suas pernas de modo irreversível. Hoje, aos 31 anos e aposentado por invalidez, Juracy diz não ter sofrido para aceitar a condição de deficiente. Segundo ele, o mais difícil foi se adaptar aos obstáculos da cidade. ;Quando eu andava, nunca tinha parado para pensar no quanto é difícil ser cadeirante em Brasília. Nada é feito pensando na gente;, reclama.

[VIDEO1]

Poucas horas na companhia de Juracy bastam para testemunhar tal frustração. Não escapam sequer as passarelas construídas a fim de proporcionar uma travessia segura para andantes e cadeirantes. Na EPTG, por exemplo, a inclinação das rampas exige esforço extremo. ;Um cadeirante com menos força que nem eu não consegue concluir a travessia sozinho;, constata.

A ausência de calçamento no acesso de passarelas faz Juracy de Sousa se locomover sobre o chão de terra na EPTG. Inclinação inadequada das rampas também é um tormento

Ao construir a passarela que liga Águas Claras a Vicente Pires, o poder público não concluiu as obras de acesso. Assim, Juracy se depara com a terra nua na saída da travessia. Não há um metro de calçada sequer. A cadeira trepida sobre pedras, buracos e mato. Em outro trecho, na subida que leva à passarela, as rodas derrapam e, a contragosto, ele é obrigado a pedir ajuda.

Armadilhas

;Feche os olhos e tente caminhar por aqui.; O desafio proposto por Paulo César Luz à reportagem é feito logo no início da entrevista, em frente à casa dele, no Riacho Fundo 2. Cego desde os 10 anos, o servidor público, na verdade, gostaria de convidar toda a sociedade para um breve passeio às escuras. Enquanto a cidade ignora quem não enxerga, ele cumpre o calvário diário de ir e vir num ambiente hostil às minorias.

A caminhada pelo centro de Taguatinga é repleta de obstáculos. De cavaletes com propaganda a ambulantes nas calçadas. Num dos trechos, Paulo César identifica com a bengala um bueiro aberto, sinalizado apenas com um cone. No acesso do metrô, mais contratempos. Na chegada à estação Praça do Relógio (pela entrada Sul), não há sinalização horizontal que possa ajudar um cego a se localizar. Ele venceu com facilidade as escadarias, mas se assustou com rachaduras e falta de calçamento em alguns degraus. ;As pessoas não pensam no próximo, são extremamente egoístas. Já melhoraria muito se elas se colocassem no nosso lugar. Bastaria para criar um pouco de consciência;, desabafa.

Ao longo da vida, as calçadas irregulares já derrubaram Paulo César algumas vezes. Para ele, pior do que a dor física é o sentimento de impotência diante da situação. ;Já levei quedas feias. Nem me importo com os machucados, mas sinto uma ponta de vergonha, de humilhação. Não é fácil passar por isso e saber que quase 100% das pessoas não se importam;, afirma.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação