Cidades

Propriedade invadida por sem-terra é referência no sistema agroflorestal

Integrante do movimento alega que a área ocupada é pública e pede a desapropriação do local e a destinação para a reforma agrária

postado em 19/11/2014 19:11
Um grupo com cerca de 50 integrantes do Movimento Brasileiro Sem Terra (MBST) invadiu uma propriedade de agricultura familiar, referência no Distrito Federal por usar o sistema agroflorestal no plantio de frutas orgânicas. Depois de fixarem barracos de madeirite em um laranjal ao lado do Sítio Felicidade, localizado no Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, os invasores decidiram migrar para a área menor. Em cerca de 10 hectares, o casal Larissa e Maurício Hoffmann são conhecidos por produzir frutas e mel sem o uso de agrotóxicos e de adubo químico. Ainda mantêm na área pesquisas da Universidade de Brasília (UnB), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF).

A agricultora, bióloga, mestre em educação ambiental, Larissa Hoffmann, levou um susto quando chegou em casa no último domingo (16/11). Os participantes do movimento estavam acampados na entrada do sítio. "Eu e meu marido temos mestrado na área de reforma agrária. Conversei com eles sobre regras, expliquei que aqui era uma terra pequena, produtiva, mas eles afirmaram que só saem com um pedido da Justiça de reintegração de posse", afirmou. Ela registrou boletim de ocorrência na 31; Delegacia de Polícia (Planaltina) e já acionou o advogado para iniciar a ação judicial.

Os integrantes do MBST não têm justificativa definida para estarem na área. Eles iniciaram uma invasão em um laranjal próximo ao Sítio Felicidade e mantêm lá cerca de 100 famílias há oito meses. Geralmente, movimentos que lutam pela reforma agrária pedem a desapropriação de terrenos com mais de 15 módulos (300 hectares) e que estejam improdutivos ou não cumpram a função social. A reportagem questionou os ocupantes do local o porquê de estarem em uma propriedade produtiva e pequena. "Pedimos a liberação do laranjal para o governo e não obtivemos resposta. Lá é terra pública e tem que ser destinada à reforma agrária. Seguimos o mesmo princípio aqui (no Sítio Felicidade). Somos um movimento pacífico, queremos terra e, até que ela prove o contrário, aqui é terra pública", afirmou Carlos Dourado, integrante do MBST.
Integrante do movimento alega que a área ocupada é pública e pede a desapropriação do local e a destinação para a reforma agrária
O pai de Maurício Hoffmann é proprietário do local desde 1985. Ele tinha 73,6 hectares (ha), na época. Manteve 50 ha e passou 20 ha. para o nome do filho. É nessa área que Maurício e a esposa usam 10 hectares para produzir o meio de sustento e os outros 10 ha mantêm preservados. Os cerca de 10 tipos de frutas que produzem ali resultam de trabalho demorado. Como tudo é orgânico, eles precisam plantar capim para adubar e fazer o manejo. Sozinhos conseguiram uma certificação francesa de produtos orgânicos. Alguns plantios demoraram 10 anos para florescer. "Para manter o certificado da Ecocert (Organismo de inspeção e certificação) temos que ter uma barreira vegetal em volta do terreno a fim de proteger as frutas do veneno utilizado na plantação do vizinho. Ao entrar na área, os sem teto destruíram parte desta cerca", relata Larissa.

Advogado ambiental, André Lima, questiona os ideais dos ocupantes. "É ilegal e imoral, fere todos os princípios do direito agrário. Eles não só invadiram uma área produtiva, mas uma produção modelo, sustentável e de agricultura familiar", diz o especialista. Para ele, os princípios de outros movimentos é de buscar áreas improdutivas e que descumprem a legislação ambiental. "Existem latifúndios que não têm 20% de área preservada. Eles saem de um lugar como este e entram em uma área com mais de 50% de cerrado preservado? Área de agricultor familiar não tem que ser tratada dessa forma. Tem uma função social", completa o advogado.

De acordo com o artigo 5; da Constituição Federal, a propriedade privada é uma garantia e direito fundamental. Mas, há também uma cláusula na Carta Magna que fala sobre a função social da propriedades. Cada uma deve cumprir a sua. Se ela é rural, por exemplo, precisa ter produção para que o direito à terra não seja questionado. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Agricultura do DF, a ocupação é em nome do judiciário. Por isso, o pedido de reintegração de posse ; exigido pelos integrantes do movimento para saírem do local ; só pode ser feito à Justiça. Com o Boletim de Ocorrência em mãos, o advogado da família Hoffmann fez o pedido hoje (19/11).

Pesquisa prejudicada
A coordenadora do projeto de monitoramento de ambientes em sistemas agroflorestais da Universidade de Brasília (UnB), Gabriela Nardoto, lamentou a invasão ao terreno. "Trabalhamos com alunos da iniciação científica e que estão fazendo o trabalho que conclusão de curso. Eles fazem o monitoramento no local. As pesquisas são para saber quanto o Sistema Agroflorestal (SAF) economiza por ano, quais os benefícios, entre outros", diz.

Segundo ela, a área invadida pelos sem teto é o local de referência para coleta de material. "Todos os meses fazemos a coleta lá. Depois, vamos para a universidade e analisamos o solo em laboratório", conta a professora. Para ela, a invasão já trouxe prejuízos. "Invadiram uma área de referência de pesquisa. Agora, temo até pela segurança. Como vou levar os alunos para lá? Além disso, o Maurício e a esposa moram lá. Espero que isso acabe o quanto antes", completa Gabriela Nardoto.

O que diz a lei
De acordo com artigo 184 da Constituição, "compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei". Segundo a Carta Magna, o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. Ela garante, no artigo 141, parágrafo 16, o direito de propriedade, "salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro".

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