postado em 01/12/2014 06:00
Há dois anos, a professora Andrea Oliveira, 33 anos, e a operadora de telemarketing Wilma Lopes, 48 anos, ouvem pregações em um pequeno templo no Setor de Diversões Sul, o Conic. Batizado de Comunidade Athos, oferece cultos três vezes por semana e segue a linha evangélica, com direito aos mesmos cânticos, orações e bênçãos das demais comunidades do segmento religioso. A diferença está no público: 99% são homossexuais. Apenas quatro das 400 pessoas que visitam o local semanalmente se interessam pelo sexo oposto.
Nesse reduto ou em pontos tradicionais, os 18,5 milhões de homossexuais que moram no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), podem frequentar atos de louvor, respeitar os ensinamentos religiosos e contribuir com as necessidade materiais da doutrina escolhida. Mas ainda que a demanda seja grande e existam milhares de templos em uma cidade, como Brasília, nem sempre os gays são considerados parte do rebanho.
A tradicional Igreja Batista, por exemplo, é contrária a seguidores assumidamente homossexuais, embora não proíba ninguém de assistir aos cultos. ;Não se trata de discriminação de gênero, afinal, recebemos todo mundo. Mas não vamos ter sócios batizados e praticantes, verdadeiramente membros, que não sigam o que acreditamos;, alega o pastor Ricardo Espíndola, da Igreja Batista Central de Brasília.
Uma das regras da doutrina é filiar apenas praticantes do chamado ;sexo abençoado;, ou seja, depois do casamento. E, vale lembrar, o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo é terminantemente proibido por todas as igrejas. ;São posicionamentos que a Igreja assume. Entretanto, certa vez, Jesus disse: ;Venha como estás;, alegando que todos poderiam entrar em sua casa. Quem sou eu para impedir?; pondera Ricardo, que não barra nenhum fiel, mas nega a bênção a alguns, como os gays.
Casais
As fiéis Andrea e Wilma são casadas oficialmente há quatro anos, mas têm registro civil há apenas um. Andrea é de família católica não praticante. Já Wilma, antiga integrante da Assembleia de Deus, conheceu a Comunidade Athos por meio de uma amiga, há quatro anos, mas passou a frequentá-la apenas depois de convencer a esposa.
Elas devem se tornam mães em janeiro, graças a uma inseminação artificial. De acordo com ambas, a Athos as ajudou a lutar pelo sonho da maternidade. ;A igreja nos deu muito apoio. Fico imaginando como tem gente que ainda diz que Deus não existe ou que ele não olha para nós. Se não fosse o Senhor, não teríamos encontrado esse local de libertação e respeito;, ressalta Andrea. Namorados, Hudson de Oliveira e Monassés Pereira Gomes são precursores da Comunidade Athos. Eles são muito atuantes e lutam por mais espaço para os homossexuais em outros segmentos da religião. ;Eles são um casal muito dedicado, buscam a fé e tentam diminuir os preconceitos contra os gays;, elogia a pastora Márcia Dias.
Outro templo que também se declara aberto a todos os filhos de Deus é o Ministério Sara Nossa Terra, com 1,3 milhão de seguidores espalhados pelo mundo. Em Brasília, existe um grupo com cerca de 10 homossexuais que frequenta semanalmente as cerimônias. Entre eles, um funcionário público de 30 anos, que não quis se identificar. Apesar da aceitação, ele afirma ter presenciado discriminação. ;Não vejo necessidade de fazer isso. Constrange as pessoas;, diz. A Sara informou em nota que mantém em seu corpo de funcionários alguns pastores ; mas não bispos ; declaradamente ;ex-gays;.
Flexibilidade católica
É correto dizer que homossexualidade e catolicismo nunca combinaram. Pelo menos até pouco tempo atrás. Quando levamos em consideração as histórias antigas ; e macabras ;, sabemos que a Inquisição tratava os gays como bruxas ou coisa que o valha. Mas desde que o papa Francisco assumiu as rédeas da Igreja Católica, há dois anos, a parcela antes demonizada ganhou respeito.
Católico fervoroso, o estudante Jardel Santana, 31 anos, reconhece a existência do preconceito na Igreja Católica, mas alega que o santo padre argentino trouxe novos ares à religião. ;Fui criado de forma muito temente a Deus. A Igreja certamente é o lugar que mais me inspira no mundo. Estamos em constante renovação, mudanças e atualizações. O papa Francisco é o melhor comandante que poderíamos ter;, defende.
Militante ligado à Igreja e de temas relacionados à homossexualidade, pois é homossexual assumido, Jardel atua em dois grupos distintos. Porém, segundo ele, a religião está em primeiro lugar. ;Se tiver um evento católico e um evento gay no mesmo dia, prefiro ficar com a Igreja. Foi onde formei meu caráter e sei que estarei sempre acolhido nos braços de Deus;, conclui.
Presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Humberto Leal Vieira acredita que o homossexualismo na religião deixou de ser tabu na Igreja Católica. ;Através dos séculos, houve uma mudança. A Igreja está realmente mais flexível, até mesmo por causa da posição do papa Francisco. Alguns fiéis e até padres ainda desrespeitam essas pessoas, o que é errado;, protesta.
Segundo ele, que também não concorda com o casamento entre pessoas do mesmo sexo nem acha razoável que gays sejam pais, os homossexuais são ;seres humanos comuns;, podem frequentar qualquer templo e participar das atividades paroquiais. ;Se o papa é a favor, ninguém pode se opor;, destaca.
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