postado em 06/01/2015 06:00
Entre passos apressados, as suaves notas do violoncelista Francisco Rafael, de 24 anos, ecoam pelo subsolo da Rodoviária do Plano Piloto. Os acordes disputam espaço com os vendedores de pipoca e cocada, mas atraem cada vez mais espectadores curiosos pela excentricidade da cena. Quem passa por ali tem a oportunidade de presenciar, duas vezes por semana, um verdadeiro concerto de música clássica em um dos lugares mais movimentados da capital federal.
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Rafael descobriu a paixão pela música aos 12 anos, quando foi presenteado com um CD do maestro alemão Johann Sebastian Bach. Desde então aprendeu a tocar trompete, violão, guitarra, baixo acústico, trombone e saxofone. Autodidata, toca violoncelo há dois anos e em agosto decidiu que precisava compartilhar sua paixão pela música clássica com os brasilienses. Quem aprecia o trabalha, é claro, acaba colaborando com dinheiro.
Mas ele não vive só disso. O músico trabalha como faxineiro em um prédio residencial da Asa Norte e, nas segundas e sextas-feiras, se apresenta no horário de maior circulação de pessoas na Rodoviária, das 17h às 20h. Embora não preferido revelar quanto ganha, Rafael admite que "dá para ficar bastante feliz" com o "retorno" que recebe nas ruas. Quando questionado sobre o que vale mais, a caixinha cheia ou reconhecimento das pessoas, ele é enfático: ;A maior satisfação do músico é tocar. Muita gente para e ouve. Isso não tem preço, é realmente gratificante;.
Assim como seu público, Francisco também é gente passageira, se desloca de ônibus e passa um sufoco para transportar o instrumento no veículo. Os 7 kg do violoncelo são carregados nas costas, enquanto o banquinho e o suporte de partituras são levados nas mãos. O repertório inclui clássicos de grandes nomes da música erudita, como Vivaldi, Beethoven e Bach.
Já quem curte rock;n roll certamente irá gostar de R. Bob Seixas, nome artístico adotado por Rildo Dias de Oliveira, figura conhecida das ruas da cidade. O compositor se apresenta com seu violão em frente a dois tradicionais shoppings do centro de Brasília. Nascido no Rio de Janeiro, casado e pai de sete filhos, ele vive em Brasília há quatro anos.
Depois de tocar em bandas e se apresentar em cidades como Manaus (AM), Santarém (PA), São Luis (MA), Fortaleza (CE) decidiu seguir carreira solo. Além do violão, Rildo toca guitarra, contrabaixo, sax e bateria. Ele acredita que já nasceu músico, aprendendo a tocar antes mesmo de fazer aulas. O repertório inclui músicas de Raul Seixas, Bob Marley, Wando e Tim Maia, além de canções próprias. ;Eu toco e componho de tudo. Menos rap e funk, que não fiz ainda;, diz.
O músico revela que consegue viver apenas da música, arrecadando, em média, R$ 70 por dia. Mas isso não é o que motiva Rildo a seguir a carreira. ;O povo que me conhece reclama no dia em que não me apresento. Já fiz muitos amigos por causa da música;, recorda.
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Coragem
O cantor Phillip Sales, de 24 anos, percebeu, depois de passar por vários empregos, que sua felicidade realmente está na música. "O mundo será melhor quando as pessoas decidirem fazer o que elas amam", defende. Motivado por essa ideia, o jovem pediu demissão da empresa de seguros em que trabalhava e decidiu sair pela cidade mostrando seu trabalho.
Influenciado por bandas como U2, Coldplay e The Beatles, Phillip costuma se apresentar no Setor Bancário Sul e na Galeria dos Estados. Em sua página em uma rede social, os mais de 1,6 mil fãs acompanham as aventuras do músico por Brasília e, além de reconhecer seu talento, escrevem palavras motivadoras.
Embora gratificante, o caminho nem sempre é fácil. Phillip relata que já foi impedido de tocar em locais públicos e embora receba elogios, acredita que falta valorização dos artistas de rua. Porém, nada o desanima. ;Hoje estou vivendo o meu sonho, passa a passo vou construindo algo maior;, acredita.
O que diz a lei
Em algumas cidades como Rio de Janeiro e São Paulo existem leis que regulamentam as atividades dos artistas de rua. Recentemente, a deputada Janete Pietá (PT-SP) apresentou um projeto de lei que estende essa regulamentação para todo o país. O texto determina que as apresentações sejam gratuitas e realizadas entre 10h e 22h, sempre respeitando os níveis de ruídos definidos em lei. Além disso, as manifestações não poderão impedir o trânsito nem a circulação dos pedestres.
Para Pietá, a proposta vai contribuir para evitar ações arbitrárias de autoridades públicas e assegurar aos artistas o pleno exercício da liberdade de manifestação artística.