postado em 20/03/2015 07:35
De todos os cantos do país, os candangos chegaram para construir Brasília e dar forma ao sonho de Juscelino Kubitschek. Vinham na euforia da aventura e na certeza de encontrar novas oportunidades de trabalho. No meio de tantos, a população negra marcou presença. Com a força de cada um deles, a cidade foi erguida. Em homenagem a eles e em comemoração aos 30 anos do Arquivo Público do Distrito Federal, será apresentada, a partir de hoje, a exposição Trabalho e Presença Negra na Construção de Brasília (1956-1960).
A mostra foi montada em parceria com a Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Semidh). Ela é formada por 20 painéis, que contam a história da comunidade negra em Brasília, com imagens fotográficas, documentos, como carteiras de trabalho, e vídeos com depoimento de pioneiros negros. ;É importante reavivar a memória da cidade e mostrar outros atores sociais que participaram da obra e são invisíveis para a história dos livros;, comentou a superintendente do Arquivo Público, Marta Célia Bezerra Vale.
A pesquisa que resultou no material da exposição foi feita, ainda na gestão passada, por servidores da instituição que não trabalham mais lá. Além do tributo a essa população, é uma forma de valorizar o empenho dos funcionários em selecionar as fotos, os relatos orais e outros documentos. ;Muita gente participou da construção desses 30 anos de Arquivo Público. Então, a mostra prestigia o trabalho de pesquisa que envolve suor e sangue destinados à instituição;, explica a superintendente.
Uma parte do acervo foi encontrada nos registros da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Os dados indicam que as obras de Brasília começaram em 3 de novembro de 1956, com 232 trabalhadores. Em 1957, a construção foi intensificada. Já em janeiro daquele ano, eram 2.500 operários. O 1; Recenseamento de Brasília, divulgado em julho de 1957, identifica que a nova capital contava com uma população de 6.283 pessoas, sendo 4.600 homens e 1.683 mulheres.
Detalhes
Uma visita à exposição revela histórias até então desconhecidas, como a contribuição de integrantes do Quilombo Mesquita, na Cidade Ocidental (GO), na ampliação da produção agropecuária e na plantação de frutas e verduras que serviam de subsistência. Além disso, as fotografias revelam cenas do cotidiano desses trabalhadores em acampamentos como a Cidade Livre ; atual Núcleo Bandeirante. A mostra não contempla apenas o trabalho braçal e as memórias dos homens negros, mas também a participação das mulheres nos primeiros anos de Brasília. Na época, elas atuavam como lavadeiras, escriturárias, auxiliares de maquinista, copeiras, ajudantes de acabamento e serventes. Os depoimentos que integram o Programa de História Oral do Arquivo Público e estão disponíveis na mostra revelam um sentimento de pertencimento dos pioneiros ao novo lugar e algumas reclamações quanto às precárias condições de trabalho.
Na avaliação do coordenador de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial da Semidh, Victor Nunes Gonçalves, a exposição é uma forma de desnudar a invisibilidade do povo negro na construção de Brasília e reverenciar e consagrar o papel de anônimos herdeiros da marca libertária trazida da África. ;Ela traz à luz histórias que vinham sendo subtraídas da capital da República, da participação negra em sua épica construção.; É também uma oportunidade de lançar olhares sobre imagens com vistas à reconstrução de valores e percepções do cotidiano, de devolução e trocas.
Serviço
Trabalho e Presença Negra na Construção de Brasília (1956-1960)
Salão Branco do Palácio do Buriti:
de hoje a 9 de abril
Museu Histórico de Brasília:
de 9 de abril a 13 de maio
Depoimento
Dando luz à cidade
;Em 27 de dezembro de 1957, cheguei a Brasília, vindo do Piauí em um pau de arara. Eu me casei por lá, mas, como ganhava pouco, decidi buscar uma oportunidade aqui. Comecei a procurar serviço e o meu primeiro emprego foi na Usina Saia Velha, que fornecia luz para a cidade. A primeira luz da capital. Quando cheguei, na minha casa, no Núcleo Bandeirante, ainda era de motor. Por motivos de doença, muitos funcionários saíram da usina, inclusive eu. Foi então que fui trabalhar na Companhia Sociedade Brasileira de Fundações, que fornecia serviço de fundações para abrir buracos para implantar os prédios da capital. Em seguida, em 1958, fui trabalhar na Pacheco Fernando Dantas na construção do Palace Hotel. Na inauguração da obra, tive a oportunidade de ver Juscelino comendo um churrasco ao lado dos candangos. Eu me sinto orgulhoso de ver Brasília hoje. É a minha pátria amada. Lembro-me de sair do Núcleo Bandeirante para procurar serviço e andar pelo Eixo quando era só mato e não tinha asfalto. Eu me orgulho de ser um dos construtores e fundadores. O olho fica cheio de lágrimas, foi muito sofrimento e trabalho. Participei de tudo: da construção da Rodoviária; ajudei a construir a primeira casa de Taguatinga. Brasília é um paraíso para mim.;
Manoel Pereira da Silva, 79 anos