Cidades

Ocupações irregulares crescem na Floresta Nacional e são alvo de operações

Casas, comércios improvisados e até igrejas ocupam espaços dentro da unidade de conservação. GDF afirma que ações de derrubadas serão executadas na Colônia Agrícola 26 de Setembro nos próximos dias

Jacqueline Saraiva
postado em 16/04/2015 12:10
A Floresta Nacional de Brasília (Flona) continua a ser alvo de ocupações irregulares, que crescem de forma rápida e insistente, deixando brechas para a grilagem de terras. Escondidas pela densa vegetação às margens da BR-070, centenas de casas de alvenaria são erguidas todos os dias por famílias de baixa renda em busca de moradia mais barata. De acordo com o chefe da Unidade de Conservação (UC) da Flona, Robson Silva, nas chácaras da Colônia Agrícola 26 de Setembro, usada para assentar 135 famílias em 1996, o número de moradores supera os 4 mil, segundo levantamento de 2013. Nas quatro áreas que compõem a Flona há mais de 5.500 pessoas. As residências em desacordo com a lei serão alvo de operações de desocupações nos próximos dias, segundo o vice-governador do DF, Renato Santana.

Placa na entrada de chácara: ao fundo várias casas em fase de construção

Novas construções são proibidas dentro da Flona pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) desde que ela foi criada, por meio do decreto S/N, de 10 de junho de 1999. A área também não poderia ser povoada, mas já havia moradores na região antes da criação da UC, que preferiram permanecer na terra a sair e receber uma indenização. No entanto, a pressão imobiliária continua a ocorrer principalmente pela proximidade da área com cidades como Vicente Pires, Taguatinga e Ceilândia, que surgiram e foram regularizadas seguindo processos semelhantes. A grande quantidade de residências já construídas ; cada uma com aproximadamente 400 metros quadrados ; fez com que o loteamento fosse apelidado de ;Vicente Pires 2;. Hoje, várias áreas já não cumprem mais o papel para o qual foram designadas e a preocupação aumenta já que em outras áreas da Flona, como na que abriga o assentamento Maranata (área 3), com aproximadamente 1.500 moradores.

O Correio percorreu a área 2, onde está o assentamento, e flagrou o fracionamento ilegal das terras. Na chácara 67, onde a situação é mais grave, segundo os gestores da unidade, dezenas de casas já foram separadas em conjuntos. Muitas têm cercas e portões de ferro, gramado, caixas d;água e energia elétrica conseguida por meio de ligação clandestina. Em um dos imóveis, os funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que fazem a fiscalização permanente, encontraram uma antena de celular. Os técnicos do instituto relatam a existência de outros locais onde há inclusive piscinas e quadras de esportes. Pequenos comércios improvisados e até igrejas já ocupam espaços dentro da área onde, teoricamente, só deveria haver a conservação da natureza. Produtores agrícolas são escassos dentro da floresta, que tem ares de zona urbana.

Festival de irregularidades: O Correio percorreu a área 2, onde está o assentamento, e flagrou o fracionamento ilegal das terras

[SAIBAMAIS]Em contato com o Correio, o vice-governador Renato Santana disse que é preciso fechar o cerco contra a grilagem e ocupações irregulares no local o mais rápido possível. Ressaltou que a Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) faz um acompanhamento constante e que, nos últimos 20 dias, foi feito um mapeamento da 26 de setembro. A intenção é realizar nos próximos dias ; no entanto, sem uma data definida, já que a programação fiscal está sendo finalizada ; uma grande operação para desocupar e derrubar moradias recentes, nos moldes da realizada no mês passado em Nova Jerusalém, ocupação irregular na região do Sol Nascente.



Renato Santana argumenta que o problema na colônia agrícola ocorre há vários anos e que não há como prosseguir com ;irresponsabilidade;. ;É grande o interesse especulativo nessa área. Mas não dá para cometer uma irresponsabilidade usando o passado para justificar o presente. Não queremos cometer injustiças. Quem parcela e vende assim é grileiro, merece cadeia;, destacou Santana.

Impasse
Mesmo em situação irregular, os moradores ainda pressionam a Administração de Vicente Pires por infraestrutura para o local. As principais dificuldades apontadas são quanto às estradas de terra, que dificultam a locomoção dentro da floresta, além da falta de ônibus e de rede de água e esgoto. Há três anos, a dona de casa Ana Lúcia Soares, 25 anos, comprou um lote na chácara 53 e desde 2014 reside na colônia agrícola. Ela admite que a família vive de incertezas, mas decidiu ficar lá pelo preço pago pelo terreno e também pela proximidade com a escola do filho, de seis anos, que estuda em Taguatinga. ;Mas é complicado aqui sem asfalto, sem parada de ônibus e muitas outras coisas que não temos. Mesmo sendo irregular, acho que a gente precisa de amparo;, reclamou.

A operadora de telemarketing Jéssica Ribeiro, 22 anos, mora há cerca de seis meses na 26 de setembro, com o marido. A casa, ainda em fase de acabamento, deve receber mais três integrantes da família, assim que a obra for concluída. O deslocamento para o trabalho, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), é feito com dificuldade, de carro ou pela única linha de ônibus disponível, a 0.965, operada pela empresa São José, segundo o Transporte Urbano do DF (DFTrans). O desafio é sair do assentamento, por conta dos buracos e lama na estrada no período de chuvas. Questionada sobre por que aceitou pagar por um terreno irregular dentro de uma floresta nacional, ela confia na impunidade: ;Vai derrubar não, moça. É garantido. Tenho medo não;.

Sem solução
O chefe da Flona, Robson Silva, ressalta que o maior problema é a falta de conscientização da população. ;Eles parecem não entender ou não aceitar que não podem construir ou ter acesso a essas coisas dentro de uma unidade de conservação. São inúmeras as notificações que fazemos todos os anos. O morador chega a pagar a multa estipulada pela Justiça, mas continua morando no local, como se nada tivesse acontecido;. Ele afirma que só nos últimos cinco anos foram aplicadas, em média, cerca de 60 multas por ano em função de irregularidades ou ilegalidades na área. A presença de moradores na Flona é um grande fator de desequilíbrio para o meio ambiente, segundo Robson, pois aumenta a pressão por recursos naturais, afugentamento da fauna, queimadas e a poluição das águas.

Um conselho formado por integrantes do ICMBio, da equipe da Flona, do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e da Administração de Vicente Pires se reuniu nessa quarta-feira (15/4) para discutir melhorias nas principais estradas de terra dentro da área, como a colocação de cascalho. Não foi discutido, no entanto, o fornecimento de energia elétrica, rede de água e esgoto ou demais melhorias, já que nada disso pode existir dentro da Flona.

Sites negociam venda ilegal de lotes

Grilagem on-line
A Agefis explica que já realizou várias operações de derrubadas, mas, pouco tempo depois, as construções voltam a aparecer. Embora os moradores evitem falar sobre os preços de compra e venda dos terrenos, a grilagem ocorre livremente, com ofertas principalmente pela internet. Em um anúncio on-line, por exemplo, um lote de 450 metros quadrados é ofertado por R$ 35 mil. A reportagem entrou em contato por telefone, se passando por um comprador. Um homem, que se identificou como Franciney, confirmou que os lotes não são escriturados, mas que ao fechar o negócio é passada uma cessão de direitos. Questionado que o tipo de documento não tem valor legal, ele jura que a compra é segura. ;Tendo a casa construída, não há chance de ser derrubada;, argumenta. Outro vendedor anunciou um terreno na Rua 1, "em área de ótima localização", por R$ 50 mil, também sem qualquer garantia de negócio seguro. A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural (Prodema) afirma que tem acompanhado os casos junto aos órgãos do GDF.

Floresta Nacional de Brasília
Criada por meio do Dec s/n; de 10 de junho de 1999, a Flona de Brasília está localizada próximo ao Parque Nacional de Brasília, às margens das Rodovias BR-070 e DF-001, conhecida como Estrada Parque Contorno (EPCT). É formada por quatro áreas descontínuas totalizando 9.336,14 hectares. A Área 1 situa-se na região administrativa de Taguatinga; a Área 2, em Vicente Pires e as Áreas 3 e 4, em Brazlândia. A sede da Flona fica na Área 1. Dentro da Unidade de Conservação o bioma predominante é o Cerrado.


O que diz a lei
Segundo a Lei 9.985, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), a Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. É de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a lei. Afirma, no entanto, que nas Flonas é admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade. Ocupações, parcelamento e venda de terrenos são consideradas ilegais.

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