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Embalado pela trilha sonora Girls da diva Beyoncé ao fundo, o coreógrafo dá o tom: "Gente, quero ver sorriso aberto, peito pra cima e ;quebra; essa cintura. Isso se chama charme". Ele orienta um grupo de onze meninas de diferentes idades, tamanhos e cores de batom. A única semelhança está na indumentária, com todas vestidas de calça e blusa na indefectível cor laranja, nitidamente dois números maior que o caimento correto. É improvável que haja uma roupa menos adequada para uma miss, mas elas estão ali para o primeiro ensaio do Miss Gari Distrito Federal, programado para este sábado (16/5), no ginásio da Guariroba, em Ceilândia.
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Enquanto as moças ensaiavam, na Administração da cidade, na noite de terça-feira (12/5), algumas crianças observavam curiosas, tiravam fotos ou pulavam inquietas nas cadeiras: todas filhas das candidatas. Duas das mais novas, Raylane, 4, e Juan Carlos, 6, são de Heloneide Ferreira. Com 45 anos, ela é uma das mais experientes do grupo, algo que definitivamente não abala sua confiança. Maquiada, cabelo armado e unhas pintadas, Heloneide só denuncia a idade quando assume que o ;ídolo masculino; é Antônio Fagundes. Não foi culpa dela, a ficha de inscrição trazia a pergunta como um dos campos a ser preenchidos.
Algumas fileiras à frente, na plateia, estava Maria Eduarda, de casaco e sandália rosa. A menina de 10 anos sorri tímida e fotografa, orgulhosa, com o celular, a mãe, Dolessandra Rodrigues. O sonho da menina é ser estilista um dia e, quem sabe, participar de concursos como este. Das onze mulheres, Dolessandra é a única de black power. Vaidosa, usa uma faixa amarela, brinco redondo e pede: ;Deixa meu cabelo ;toinhonhoin;, alisar dá muito trabalho;.
À medida que mais veículos de comunicação chegavam para registrar um concurso pouco usual, as moças, tímidas, se camuflavam, umas atrás das outras. Inspiradas por uma trilha sonora recheada de divas do pop, algumas até ;quebravam; a cintura, como pedia o coreógrafo. Francisca Lúcia, 29 anos, diz que ;não tem muito do que reclamar; da vida de gari, mas que gostaria de ganhar o concurso, ;é claro;. Ela dividiu o mesmo batom lilás com uma amiga, que veio apenas para acompanhá-la. Apesar de também ser gari, a colega desistiu de participar quando descobriu que o prêmio não seria mais uma bolsa de estudos: ;Já tenho curso técnico em Radiologia, mas queria faculdade pra melhorar de vida;.
Apesar de estarem a poucos dias do evento, os organizadores ainda não revelaram o prêmio. Não se trata de um suspense proposital, eles dependem de patrocínio. As recompensas mais cobiçadas eram: iPhone, tablet e viagem para Caldas Novas. Se pudesse escolher, essa última seria a opção de Ruth Cléia. ;É bom para dar uma descansadinha;, explica candidata, grávida de quatro meses. Foram as colegas de trabalho que a convenceram de participar do concurso, ;Me falaram que eu era uma das mais bonitas da equipe de Taguatinga, aí eu vim;, justificou. Mas o que Ruth quer mesmo é que o bebê seja menina, para chamá-lo de Evelyn e ser miss, quem sabe como a mãe.
Ruth entrou na profissão de gari também por causa da mãe, que trabalhava na mesma empresa. De quebra, ajudou a empregar a prima, Grazielly Pereira, que também participa do concurso de sábado. Com 27 anos, Grazielly é loura e uma das mais altas do grupo. Ela corre para se maquiar, quando aparecem as câmeras. ;Não avisaram que viria gente de fora;, explica, atarantada. Entre uma e outra pincelada de blush rosa choque, ela diz que o concurso vai ser importante para que as pessoas percam o preconceito com os garis. A roupa laranja, que usa diariamente há dois anos - argumenta - ;é repelente nos ônibus;: mesmo em horário de pico, as pessoas preferem ficar em pé a sentar ao lado dela. E se ela voltar para casa com a faixa laranja no sábado? ;Ah, aí eu vou me achar;.
No primeiro ensaio na terça-feira à noite, apareceram 11 das 13 participantes. Tal qual outros concursos de miss, elas sorriram e andaram de um lado para o outro da sala. Quem organiza o ensaio e a coreografia é a equipe do Miss Distrito Federal. ;Diferentemente dos concursos profissionais, em que as medidas, a altura, são fundamentais, aqui vamos nos preocupar mais com a alegria, o carisma;, tenta explicar Clóvis Nunes, coordenador geral do Miss DF.
A ideia do concurso veio da Fiscal de Garis, Maria de Fátima Dias. No dia a dia, ela gerencia e fiscaliza as tarefas dos colegas. No ano passado, já havia organizado um Baile Dançante, com música eletrônica. O Miss Gari é para ser uma diversão e, ao mesmo tempo, para melhorar a auto estima das colegas. ;Às vezes, elas estão lá, trabalhando, e ninguém nem olha quando passa. Parece que são invisíveis;, discursa. Nesse aspecto, o concurso já cumpriu sua missão. Ao som de Beyoncé, e com uma alegria nítida no rosto, que acabava refletida nas crianças da plateia, elas estavam mais visíveis - e lindas - do que nunca.