Quem trabalha próximo a algum órgão público, com um sindicato que aderiu a uma greve, provavelmente já se deparou com a seguinte situação: várias horas ininterruptas de uma seleção de músicas em looping e em volume ensurdecedor. O objetivo é simples: fazer com que os funcionários não consigam trabalhar e acabem aderindo ao movimento, segundo os próprios membros de sindicatos e donos de carros de som.
Uma situação igual a essa se repete há cinco dias no Fórum do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), onde o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF (Sindjus) alugou um carro de som para integrar o movimento pelo reajuste do plano de cargos e salários. Desde a última terça-feira (9/6), os funcionários são desafiados a trabalhar ao som das músicas ;Florentina; e ;Índia;, cantadas por Tiririca.
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João Tomaz Neto é motorista de um carro de som do DF. Para aguentar seis horas seguidas escutando as mesmas duas músicas só com tampões de ouvidos, garante ele. O funcionário conta qua a playlist é selecionada pelos próprios representantes dos sindicatos que estão protestando. "Eles me entregam o CD e pronto. Sempre com músicas que enchem o saco, para perturbar as pessoas", explica João Tomaz.
Para se ter uma ideia de quanto o trabalho de José Tomaz pode ser incômodo, fizemos as contas. Em um dia de trabalho, ele escuta o verso "Índia seus cabelos" aproximadamente 3.240 vezes. Além do motorista, quem mais se incomoda são as pessoas que precisam trabalhar próximo ao carro de som.
Uma funcionária do fórum do Tribunal de Justiça do DF, que preferiu não se identificar, disse ser muito complicado trabalhar com a música alta todos os dias, mas tenta como pode. "Tem que abstrair, ainda mais porque eu trabalho com documentos e preciso ter muita concentração, mas é por uma boa causa".
O vendedor de água de coco Aluísio Gonçalves da Silva trabalha em frente ao fórum há 18 anos e, segundo ele, sempre que tem greve é assim. "Eu passei o sábado e o domingo com a música Índia na cabeça. Não dá para esquecer", brinca.
A música é para perturbar, mas o volume máximo não pode passar dos 65 decibéis, de acordo com o gerente comercial de uma empresa que presta o serviço em Brasília. Marcos Popovidis considera o mercado bom, mas a concorrência é grande, inclusive com o serviço irregular. "Nós fazemos tudo dentro das normas e emitimos nota fiscal", ressaltou. O aluguel de um carro de som custa, em média, R$ 450 por dia.
Representantes de outros sindicatos com atuação em Brasília dizem que o repertório é diversificado e influenciado pelo objetivo do protesto e do público-alvo.
As músicas mais pedidas pelos sindicatos são:
Admirável gado novo (Zé Ramalho)
A música do paraibano Zé Ramalho foi composta em 1980 e faz alusão aos trabalhadores que se esforçam mais do que os patrões estão dispostos a pagar. Nos primeiros versos é possível perceber o tom de protesto com:
"Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem lhe comer. Êh, oô, vida de gado".
Índia
Cantada pelo humorista Tiririca nos protestos, ;Índia; é uma sátira à música original, composta por Cascatinha e Inhana em 1952 - também interpretada por Roberto Carlos. A letra tem quatro estrofes com características de uma índia, bem diferente da cantada por Tiririca que, por três minutos canta apenas:
"Índia seus cabelos
Índia seus cabelos
Índia seus cabelos
Índia seus cabelos."
Fixação - Kid Abelha
Assim como o nome da música do trio dos anos 1980 sugere, a canção de 1984 fixa na cabeça dos manifestantes com o refrão:
"Fixação, seus olhos no retrato
Fixação, minha assombração
Fixação, fantasmas no meu quarto."
Primeiros erros, Capital Inicial
Composta por Kiko Zambianchi no início dos anos 2000, a música é uma das mais populares do grupo brasiliense. "Primeiros Erros" não tem o mesmo apelo de protesto das outras, mas é escolhida para agradar o público, como explicou a Central Única de Trabalhadores (CUT):"Se um dia eu pudesse ver
Meu passado inteiro
E fizesse parar de chover
Nos primeiros erros
Meu corpo viraria sol
Minha mente viraria sol
Mas só chove, chove."
Apesar de você, Chico Buarque
A canção de protesto ao regime militar vivido no Brasil foi escrita entre 1969 e 1970. Apesar de, claramente, fazer uma alusão negativa ao presidente Emílio Garrastazu Médici, Chico sustenta ser apenas uma referência à situação vivida durante a ditadura.
Sorte Grande, Ivete Sangalo
Durante os protestos, o que mais se repete na música da baiana Ivete Sangalo é a introdução e o refrão:
"A minha sorte grande foi você cair do céu
Minha paixão verdadeira...
Viver a emoção, ganhar teu coração
Pra ser feliz a vida inteira".