Os abraços ainda são desconfortáveis. Os apertos de mão, sem jeito. Os olhares seguem desconfiados e muitas vontades estão reprimidas nas famílias de Eliana e Dileide. As duas tiveram os filhos trocados em uma maternidade de Formosa (GO) há 19 anos e cerca de cinco meses atrás tiveram a confirmação do que nunca imaginavam. Criaram um filho que não geraram. Após a revelação, a convivência não foi totalmente estabelecida. A relação entre eles é superficial, por causa do vácuo de quase duas décadas aberto nas relações familiares.
O caso é investigado pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) da cidade goiana. A polícia quer saber, entre outros pontos, se a troca dos bebês foi feita de forma premeditada. A história começou em 10 de novembro de 1995, quando nasceram Diego Galvão Ramos da Silva e Daniel Gomes de Oliveira. Eliana Gomes de Melo Oliveira, 45 anos, e Dileide Galvão Pinto, 38, chegaram praticamente juntas ao São Camilo, por volta das 10h.
Na sala de espera, sentaram-se lado a lado e conversaram. Então, ela e Eliana foram encaminhadas à mesma sala de cirurgia, onde uma equipe se encarregou de atender às duas, simultaneamente. Somente os médicos obstetras eram diferentes. ;Os dois bebês ficaram na sala de cirurgia com a Eliana. Desconfio que a troca aconteceu nessa hora;, diz Dileide. ;Acho que eu e Dileide tínhamos que ter ficado em salas diferentes;, pondera Eliana.
Formosa é uma cidade pequena, com cerca de 100 mil habitantes, e os caminhos das famílias continuaram a se cruzar. Sem saber, Daniel e Diego estudaram juntos, entre a 7; série e 3; ano do ensino médio, na escola municipal Joaquim Moreira. Até se cumprimentavam. Mas um fato foi determinante para a descoberta da troca. Diego é muito parecido com Pablo, filho mais velho de Eliana e irmão biológico dele. Em um evento sertanejo, no ano passado, foi confundido com o rapaz. Curioso, quis saber quem era a pessoa. Então, os dois fizeram amizade.
Os comentários eram inevitáveis. ;Uma vez, eu falei: ;Vamos fazer um DNA;. Mas, claro, nem passava pela minha cabeça que isso poderia ser verdade;, lembra Diego. Pablo, por sua vez, levou uma foto para Eliana ver. ;Eu chorei na hora. Tinha certeza que era meu filho. Pensei que tivesse tido gêmeos e que tinham levado o outro;, desabafa Eliana, que demorou oito meses para propor o teste a Diego. Fez isso sem Dileide ou qualquer outra pessoa saber. O exame ocorreu em fevereiro e oito dias depois estava pronto. Positivo: Diego é filho biológico de Eliana.
Um mês depois, ela resolveu testar o DNA de Daniel. ;Quando deu negativo, meu mundo caiu;, conta Eliana. Agora, as duas mães tomam antidepressivos e Dileide deixou o emprego. Diego também saiu da vaga de frentista no posto de gasolina. Daniel tem trabalhado apenas com o sogro. ;Precisamos ter cautela com os meninos. São jovens. Para nós, que somos adultos, já não é fácil;, lamenta o comerciante Pedro Ramos da Silva, 57 anos, que criou Diego como filho, mas é pai biológico de Daniel.
Tentativa de juntar as famílias
Ao saber da notícia, Dileide também não conteve as lágrimas. Brigou com o filho por ter sido ;enganada;, e não escondeu o temor em perdê-lo. ;Eu chamei a Eliana para vir à minha casa. Não concordei como fizeram, mas agora pelo menos resolvemos isso. Temos que tentar juntar as famílias, porque agora é o único jeito;, observa Dileide. Ao ver o filho biológico, Daniel, não soube o que fazer. ;Um misto de alegria e tristeza. Uma vontade de abraçar, mas fico reprimida porque não temos intimidade;, revelou. ;A gente diz que tem que aproximar, mas ele resiste. Agora está melhorando;, contou Edivar Francisco de Oliveira, 51, pai de criação de Daniel e biológico de Diego.
As relações entre uma e outra família são antigas. A família de Eliana e Edivar conhecia a de Dileide e Pedro. O pai de Edivar, por exemplo, era muito próximo do de Pedro. Já Daniel dividiu mesas de bar com o meio-irmão Thiago Ramos da Silva, 29 anos, filho do primeiro casamento de Pedro. ;Foi um choque, mas não deixou de ser bom;, comentou Thiago. ;Mais um motivo pra gente sentar e beber;, descontraiu Daniel. O jovem é o mais discreto. Torce para o Vasco e tem uma filha de 5 meses. ;A parte ruim disso tudo vem dos comentários das pessoas. E a boa, não sei dizer;, resumiu. O cruzeirense Diego é mais solto. Sorri para as fotos, é mais próximo da mãe biológica e gostou de ganhar uma nova família. ;O lado ruim foi ter que contar para meus pais;, lembrou.
A vontade de todos é encerrar o assunto. Até agora, o Hospital São Camilo não respondeu às perguntas das duas famílias. Segundo Dileide e Eliana, já deram mais de três versões diferentes sobre o caso. Disseram que um alagamento acabou com os documentos e, atualmente, segundo as mães, dizem que elas não podem provar que os meninos nasceram na unidade de saúde. As mães levaram o caso à Deam de Formosa em abril deste ano. Fizeram a denúncia e apresentaram os exames de DNA.
Segundo a delegada titular, Fernanda Lima, a investigação ainda não terminou e a unidade continuará fazendo diligências para apurar os responsáveis pela troca dos bebês. ;As famílias chegaram aqui com o caso resolvido. Elas investigaram. Nós apenas ouvimos as partes, encaminhamos para o atendimento psicológico e delegamos busca e apreensão no hospital. O que nós estamos procurando nesse caso é o crime e os participantes. Ver se alguém fez a troca dolosamente, por exemplo;, concluiu a delegada. A direção não retornou as ligações da reportagem.