No centro de Planaltina, região histórica da cidade, os moradores de uma casa de portão branco aguardam o retorno do dono do imóvel, Geraldo Amâncio, 79 anos. Há 17 dias, a angústia e a impotência tomaram conta da família do comerciante. Cerca de dois anos atrás, após a morte da mulher, companheira de 50 anos, Geraldo descobriu que tinha Alzheimer. Em 22 de junho, ele saiu da residência sem documentos, com, provavelmente, R$ 50 no bolso e ainda não voltou. Os filhos e os netos iniciaram uma mobilização na internet e, a cada notícia, saem em busca de Geraldo. No Distrito Federal, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Paz Social, até abril, 30 pessoas com mais de 50 anos estavam desaparecidas.
;Ele está no primeiro nível da doença. Esquece algumas coisas, mas sempre se lembra quem somos e onde mora, por exemplo;, explica uma das netas de Geraldo, a servidora pública Karina Amâncio, 27. ;Até me corrigia, porque eu sempre trocava o nome da rua;, completou uma das filhas do comerciante, Maria do Carmo Amâncio, 52. Hoje, a casa onde ele mora vive à espera de uma pista de seu paradeiro. Na tentativa de reencontrá-lo, amigos e parentes percorreram municípios como Formosa, Planaltina de Goiás, São João da Aliança e até Anápolis. ;Toda vez que recebemos qualquer notícia vamos atrás;, contou outra filha, a auxiliar de contabilidade Zilda Amâncio, 50.
O bancário e filho José Paulo Amâncio, 53, afirma ter percorrido quase 3 mil quilômetros em 15 dias, cerca de 200km por dia. ;A gente nem trabalha mais. Ficamos a postos;, comentou José Paulo. Geraldo nasceu em Manhuaçu, em Minas Gerais, e veio para Brasília em 1965. Desde então, mora em Planaltina. Na Quadra 1 da Vila Buritis, ele tocava um mercadinho ao lado da mulher, Alaíde. Após a morte dela, a doença começou a dar os primeiros sinais. Todos os dias, Geraldo saía para caminhar. ;Se ele demorasse mais do que duas horas, alguém ia atrás dele. Todo mundo o conhece por aqui, e ele sempre foi de resolver as coisas, pagar as contas;, contou Zilda. ;Ele até brigava e ficava com raiva quando o procuravam.;
Em 22 de junho, o comerciante saiu, pela manhã, sozinho. Foi à lotérica e voltou para casa. Por volta das 12h, enquanto uma das netas tomava banho, Geraldo deixou a casa sem avisar. ;Acho que ele se perdeu e, à medida que foi andando, foi ficando cada vez mais distante;, arriscou Zilda. A partir da mobilização na internet, em uma página de rede social, e com a ajuda de milhares de cartazes que parentes e conhecidos espalharam por diferentes locais, a família recebe todo tipo de informação. Algumas ajudam, outras não. A mais próxima que tiveram do paradeiro de Geraldo foi a ligação de um rapaz que deu uma carona para ele na BR-060. ;Essa pessoa nos explicou que o viu andando à beira da rodovia. Ao parar, o meu avó pediu uma carona e pediu que o deixasse em uma fazenda. Fomos lá na mesma hora, mas não o encontramos;, detalhou a neta Karina.
Apreensão
Apesar de não cessarem as buscas, a sensação de impotência é grande. ;A noite do dia em que ele sumiu foi a mais fria de Brasília. Eu só chorava pensando onde ele podia estar;, relembrou a filha Maria do Carmo. Geraldo tem quatro filhos e nove netos. Dois dias antes de desaparecer, no sábado, ele participou do casamento da primeira neta. ;A gente sabia da doença, mas nunca tínhamos vivido as consequências dela;, comentou Karina.
Na tentativa de reencontrar o comerciante, os familiares se depararam com histórias similares. A filha Zilda ficou impressionada com a facilidade com que os idosos têm de pegar ônibus, pois não precisam apresentar documentos ou pagar pelo bilhete. A família também sentiu falta, no DF, de um atendimento especializado para os mais velhos, como uma delegacia ou uma secretaria. ;Independentemente de qualquer coisa, decidimos que vamos ajudar alguns asilos. Conhecemos vários e vimos a dificuldade com que vivem;, afirmou Zilda.
Hospitais
Na capital federal, a Secretaria Especial do Idoso foi incorporada, na gestão de Rodrigo Rollemberg, à Secretaria da Mulher, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Em caso de pessoas mais velhas desaparecidas, o órgão atua, de maneira integrada, com a Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social e com a Secretaria da Segurança Pública e Paz Social. Os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) oferecem um serviço de prevenção e atenção aos casos de desaparecimento de idosos, além de crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e com transtorno mental.
Há, ainda, pessoas internadas em hospitais sem identificação ou acompanhante. No Hospital de Base do DF (HBDF), a Secretaria de Saúde tem o registro de dois pacientes, acima de 50 anos, nessa situação. ;A nossa preocupação também é com os idosos, até criamos uma página específica na rede social, a S.O.S. Idosos Desaparecidos ou perdidos, pois eles atingem 18% dos nossos casos cadastrados, onde a maioria se perde, devido a surtos de esquecimento ou devido a doenças e nunca mais são localizados, ou às vezes, encontrados sem vida; por isso, o alerta imediato é fundamental;, explicou a presidente e fundadora da ONG Desaparecidos do Brasil, Amanda Boldeke.
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