Luiz Calcagno
postado em 09/08/2015 08:03
Planejar a mobilidade urbana de Brasília extrapola a preocupação com ônibus, metrô e avenidas largas para os carros. A capital do país apresenta um trânsito conturbado, como o das grandes metrópoles, e têm um sistema de transporte público ineficiente e uma rede de ciclovias que não atende as necessidades dos ciclistas. Pensa-se menos ainda em caminhar, que deveria ser uma das primeiras opções em uma cidade arborizada e plana ; a ponto de ser tema de um livro (leia Três perguntas para). A falta de investimento nas redes de calçadas desestimula a modalidade mais antiga de deslocamento. Isola, inclusive, aqueles que têm alguma dificuldade para se locomover. ;Minha trajetória é uma maratona;, define a cadeirante Maria Telva Lima, 43 anos.Moradora de Ceilândia Norte, Maria enfrenta uma rotina pesada. ;As calçadas não têm acessibilidade nenhuma e ainda são destruídas. Muitas vezes, não têm altura que me permita embarcar em um ônibus sem precisar de ajuda. Temos passar pelo asfalto, por quebra-molas;, conta. Depois de cair da cadeira de rodas em uma calçada e sofrer uma cirurgia, Maria se aposentou. ;Na hora de fazer uma calçada, não é só colocar um concreto. É preciso um projeto que atenda a todos;, afirma. A amiga Carla Karine da Silva, 32 anos, complementa. ;O governo não pensa na mobilidade. Pensa no carro. O direito de ir e vir, no entanto, não é válido só para quem dirige. É de todos.;
Não são apenas os problemas de calçadas que dificultam a locomoção dos cadeirantes. Os canteiros centrais, por exemplo, também não facilitam. ;Se estamos sozinhos, precisamos achar um retorno para atravessar uma via com canteiro. Cinco centímetros para quem anda podem não ser nada. Para nós, passa a ser um obstáculo muito grande;, declara Jocélio Lisboa, 37 anos. Ele acrescenta que as leis existentes são suficientes. No entanto, não são cumpridas. ;Se tivéssemos mais rampas e interligação de calçadas, teríamos 50% do nosso problema resolvido;, conclui.
A instalação de um contêiner na Praça do Relógio, em Taguatinga, por exemplo, é útil para quem frequenta o local todos os dias, mas para quem depende de cada centímetro a fim de se orientar representa uma perda de referencial. Há 11 anos, a nutricionista Denise Braga, 35, perdeu a visão por conta da diabete. Desde então, direção e acessibilidade passaram a ser palavras constantes no cotidiano.
Denise aprendeu a andar com a ajuda dos outros e da bengala. ;Eu sou pedinte. Vivo pedindo ajuda;, brinca a nutricionista. Mas nem todo o cuidado é suficiente para fugir dos riscos. Depois que caiu em um bueiro destampado e cheio de lixo na Comercial Norte de Taguatinga, ela decidiu criar o Blitz Acessível: um grupo de WhatsApp e uma página no Facebook que servem para alertar os deficientes sobre os pontos problemáticos. Também funcionam como uma espécie de fiscalização. ;Quando fui à Administração (de Taguatinga) reclamar do bueiro em que cai, percebi que tudo dependia da gente. Eles queriam o endereço, um referencial, de quem era o bueiro e só depois de alguns dias abriram uma reclamação;, desabafa.
Registros
A partir de então, Denise e o namorado, também deficiente visual, começaram a fotografar os buracos, as calçadas desniveladas e as faixas sem rampas, por exemplo. O projeto ainda engatinha, mas Denise aposta na ideia. Quem convive com esse tipo de deficiência sabe dos inúmeros relatos de acidentes nas ruas de Brasília. ;Há tantos problemas que é até difícil apontar o pior, mas, como ando muito por Taguatinga, o centro da cidade é horrível;, comenta. A Asa Sul, onde está a associação de deficientes visuais que ela frequenta, é o lugar mais acessível. ;Algo que seria importante também é o sinal sonoro nas faixas de pedestres;, acrescenta.