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Número de habilitações suspensas em Lei Seca não chega a 30% dos flagrantes

Enquanto o Distrito Federal caminha para bater o recorde histórico de casos por embriaguez ao volante, a quantidade de habilitações suspensas ou perdidas por causa desse tipo de infração não alcança 30% do total

Adriana Bernardes
postado em 06/09/2015 08:02

Em 28 de agosto, o motofretista Jori Moreira dos Santos foi atingido pelo PM Roberto Tolentino, na BR-060: morte e embriaguez comprovada


Nos últimos dois anos e meio, o Departamento de Trânsito (Detran) emitiu 29.334 multas por embriaguez ao volante. Mas, até o momento, apenas 26% das CNHs ; 8.205 ; acabaram suspensas ou cassadas, conforme determina a legislação de trânsito. Na sessão de análise dos processos abertos contra os infratores da lei seca, há uma pilha de 24.829 casos à espera de um parecer da autarquia. A demora se deve, em parte, ao longo prazo assegurado pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (leia O que diz a lei) para que o condutor questione a punição e a falta de estrutura da autarquia para acelerar o julgamento.

Independentemente dos motivos, João Antonio Wiegerinck, professor na pós-graduação da Escola Paulista de Direito e mestre convidado da pós-graduação do Mackenzie, considera lamentável a morosidade na aplicação da norma. ;A lei (seja ela qual for) só tem sentido se obtiver dois resultados: eficácia e efetividade. Ela é eficaz quando cumpre o objetivo dentro de limites civilizados e personalizados; e é eficiente quando ensina o transgressor a não agir novamente daquela forma. Infelizmente, não é o que observamos na maior parte dos casos;, afirma.

Em se tratando de multas, alguns casos demoram até dois anos para serem finalizados. Isso quer dizer que, entre as 8.205 habilitações suspensas ou cassadas entre 2013 e junho deste ano, podem ter casos de 2011 ou até de antes. Neste ano, deve haver um atraso ainda maior na análise de quem recorreu à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari). São três bancas no DF, todas fechadas de janeiro até a última semana de agosto por falta de nomeação de servidores.

Para se ter uma ideia da distância entre a multa e a efetiva aplicação da lei, de janeiro a junho, foram aplicadas 9.778, enquanto 1.811 carteiras foram suspensas ou cassadas. O percentual é de 18,5%. Em 2013, para um total de 8.187 infrações, 4.569 CNHs acabaram retiradas de circulação por um ou dois anos. Isso dá 55,8% (veja Impunidade).

As pesquisas científicas e as histórias cotidianas não deixam dúvidas sobre as consequências devastadoras da combinação álcool e volante. Há uma semana, pelo menos quatro pessoas morreram no DF vítimas de motoristas embriagados. Foram três acidentes em seis dias. Em 28 de agosto, o PM reformado Roberto Tolentino Ribeiro, 48 anos, foi preso em flagrante após provocar o acidente que matou o motofretista Jori Moreira dos Santos, 48.

O teste do bafômetro comprovou que Tolentino tinha 1,4mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. O caso aconteceu na BR-060, na altura do restaurante comunitário de Samambaia. O delegado estipulou fiança de R$ 6 mil e, após o pagamento, o PM foi liberado. O caso está na 1; Vara Criminal de Samambaia. Na última quarta-feira, foi encaminhado para análise do MP.

Outro caso que chocou a cidade foi o atropelamento de um casal em uma parada de ônibus, na BR-070, na altura de Ceilândia. O condutor Edelson apresentou 0,73mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões e acabou preso em flagrante. O juiz converteu a prisão em preventiva ;para manter a ordem pública;.

De janeiro a 2 de setembro, o Detran, a PM e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) aplicaram 10 mil multas por embriaguez ao volante. Será um recorde histórico, pois o maior registro foi de 10.119 casos em um único ano. Apesar do crescimento dos flagrantes ; atribuído ao arrocho na fiscalização ;, o presidente do Instituto de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte, aponta que o número de motoristas alcoolizados em um único fim de semana é imensamente maior à quantidade de flagrantes. ;Pesquisa por amostragem feita pelo IST há cinco anos revela que mais de 200 mil condutores dirigem sob efeito de álcool a cada sábado e domingo;, diz.

Para ele, o país só terá sucesso no combate à alcoolemia no trânsito se combinar duas ações. ;Os países que têm tido mais sucesso nessa questão combinam conscientização com blitzes. Eles fazem publicidade contínua dos efeitos do álcool ao volante. A fiscalização, por outro lado, é rigorosa e implacável. Nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e na Austrália, isso dá cadeia. E não tem desculpa;, cita o também professor da UnB.

Um servidor público federal de 30 anos caiu na lei seca como tantos outros motoristas de Brasília. Ele não lembra o índice acusado pelo bafômetro. ;Sei que, por muito pouco, não fui para a delegacia responsabilizado pelo crime de dirigir alcoolizado;, conta. O flagrante ocorreu em 2011. Por lei, Joaquim deveria pagar a multa e ter a Carteira Nacional de Habilitação suspensa por um ano. Mas a punição ficou apenas no primeiro estágio, o pecuniário. Passados quatro anos, ele se mudou para outra unidade da Federação e, ao renovar a CNH vencida, descobriu que o Detran nem sequer abriu o processo de suspensão do documento. ;A funcionária disse que até prescreveu o prazo para a punição.;

Para ele, ficou a sensação de que o objetivo da fiscalização é apenas receber a multa. ;Pra mim, ficou uma sensação de impunidade; a de que desrespeitar a lei seca não dá nada. Eles fazem toda a encenação, força-tarefa, montam blitz só para arrecadar mesmo;, avalia.

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